2015-5-24

ARTIGOS

Crónica de Fernando Arrobas M.D

O LEGADO CLÍNICO DE JAMES LIND

Os avanços da medicina e a melhoria significativa dos indicadores de saúde são resultado direto da melhoria dos cuidados assistenciais, mas também da capacidade de acesso a tecnologias de saúde inovadoras, decorrentes de complexos e rigorosos processos de investigação e desenvolvimento.

O legado clínico de James Lind

Os ensaios clínicos são estudos desenhados para testar novas abordagens e procuram melhores formas
de prevenir, diagnosticar ou tratar as doenças. Todos os anos, a 20 de Maio, celebra-se o Dia Internacional do Ensaio
Clínico, uma data em que diversas instituições, provenientes da academia, da indústria ou da área da saúde, fazem um balanço das suas atividades elançam perspetivas futuras. Mas porquê o dia 20 de Maio? Surpreendentemente, tudo começanas “gengivas”…
Foi nesse preciso dia do ano de 1747 que James Lind, um cirurgião naval escocês a bordo do navio HMS Salisbury, iniciou a descoberta da cura para a doença que era responsável por mais mortes de navegadores britânicos do que o inimigo em batalha: o escorbuto. Primeiro, surgia a fadiga e as dores nas articulações. Depois, era a gengiva que se apresentava inflamada, pútrida e com hemorragia. Seguia-se a perda de dentes, a anemia e a impossibilidade de ingerir comida.
Só a morte sobrava como destino. Nas palavras de Camões, na Estância 81 do V Canto dos Lusíadas, “doença crua e feia, a mais que eu nunca vi.” Diante este cenário de catástrofe, James Lind selecionou doze homens com escorbuto e dividiu-os em seis pares. Forneceu a todos a mesma dieta básica. No entanto, ao grupo I atribuiu um litro de sidra, ao grupo II aconselhou vinte-cinco gotas de elixir de vitríolo (ácido sulfúrico), ao grupo III recomendou seis colheres de sopa de vinagre, ao grupo IV indicou meio litro de água do mar, ao grupo V entregou duas laranjas e um limão e ao grupo VI ofereceu uma pasta picante à base de mostarda. Seis dias depois, o grupo V não conseguiu continuar mais o tratamento, uma vez que já não havia mais fruta disponível. Contudo, um dos marinheiros já estava apto a trabalhar e o segundo tinha
também evoluído o suficiente ao ponto de regressar ao seu posto.
A mudança gera sempre resistência e, na verdade, a sua experiência foi considerada apenasum acidente fortuito. A vitamina C não era sequer conhecida pela comunidade científica. Com efeito, a inclusão de citrinos na dieta da Royal Navy só foi iniciada quase cinquenta anos mais tarde, já após a morte de James Lind, pela mão de Gilbert Blane o homem que convenceu o Almirante britânico a atribuir uma ração de limonada a todos os marinheiros e, por conseguinte,
diminuiu a incidência de escorbuto e de morte a bordo em larga escala.
Ainda assim, James Lind continua a ser lembrado, pois deixou para a história um legado inquebrável: a realização do primeiro ensaio clínico com grupos comparativos em condições experimentais de ambiente e tempo controladas. O facto de ter versado sobre uma doença oral tão característica e tão presente na história da medicina, só pode orgulhar e motivar qualquer médico dentista. Sobretudo aqueles que se dedicam a assuntos tão relevantes para a população
e para a economia nacional como o são a medicina oral e a investigação clínica.

Fernando Arrobas M.C –Crónica
fernando.arrobas@jornaldentistry.pt

Diogo Costa - Ilustração:
dcosta_4@msn.com

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