O JornalDentistry/Fernando Arrobas e Diogo Costa em 2016-1-26

ARTIGOS

Crónica

Os Médicos (e os) Dentistas

O uso do termo “doutor” tem gerado as mais variadas discussões pelo mundo inteiro. Desde os mais radicais, que defendem que apenas os detentores do grau de doutoramento é que devem ostentar esse título, até aos menos céticos, que abrem exceções quando se tratam de médicos e advogados.

Na verdade, este é um tema sobre o qual me apeteceu escrever apenas por curiosidade e nãopor importância.
Em resposta aos radicais, que defendem a posição etimológica da palavra Doutor, a qual tem origem no verbo latino docere, que significa ensinar, os menos céticos alicerçam-se nos argumentos da relação histórica que data da incorporação da medicina à universidade medieval. De acordo com os factos, foi a partir do ano de 1221 que o imperador italiano Frederico II declarou que ninguém se poderia tornar médico sem ser examinado publicamente pelos mestres de Salerno. Ora, a partir daí, à semelhança do direito, os laureados passariam a receber o título de Doutor Medicinae.
Resta ainda a questão sobre qual o prefixo a utilizar nos profissionais licenciados em outroscursos na área da saúde, cuja maioria data do século XIX e, portanto, sem esta patente relação histórica com o uso do termo “Dr.”. No caso da medicina dentária, é inegável que alguns sectores da sociedade se incomodam com o emprego do prefixo “Dr.” quando se referem a entistas. Exemplo disso são os hilariantes diálogos do filme Hangover ou uma notícia do The Telegraph que denuncia a atitude da Advertising Standards Authority ao proibir um dentista de se apresentar num anúncio de publicidade como “Dr.”, caso não apresentasse uma qualificação como “medical doctor” ou um “PhD”. Igualmente em Portugal, num passado recente, o bastonário da Ordem dos Médicos mostrou algum desconforto na utilização do termo “médico” antes de “dentista” na designação da nossa profissão.
De facto, de todas as línguas europeias de origem românica, Portugal é o único que designa o profissional de saúde oral como “médico dentista”. Em catalão (dentista), espanhol (odontólogo), galego (dentista), francês (chirurgien dentiste), italiano (dentista) e romeno (dentist), a palavra “médico” não designa a profissão. Todavia, o mesmo não é verdade
para as línguas germânicas em que as palavras “dente” e “médico” se unem: zahnarzt (zahn=dente + arzt=médico) em alemão, tandarts (tand=dente + arts=médico) em holandês, tandlæge (tand=dente + læge=médico) em dinamarquês, tannlege (tann=dente + lege=- médico) em norueguês, tandläkare (tand=dente +läkare=médico) em sueco e tannlæknir (tönn=dente + læknir=médico) em islandês. O mesmo acontece em grego (οδοντίατρος resulta do prefixo δόντι=dente e do sufixo γιατρός=médico) e nas línguas urálicas com hambaarst (tann=dente + lege=médico) em estónio e hammaslääkäri (tann=dente + lege=médico) em finlandês. Nos idiomas eslavos, a maioria não tem relação com a palavra médico, mas existem exceções como acontece com Зъболекар (Зъб=dente+лекар=médico) em búlgaro, zobozdravnik (zob=dente + zdravnik=médico) em esloveno e zobārsts (zobs=dente+ ārsts=médico) em letão.
Fará esta diferença de nomenclatura entre os diversos países com que uns sejam mais “doutores” do que outros? Com certeza que não. É certo que, no nosso país, o uso do termo “Doutor” à frente do nome talvez se tenha banalizado um pouco. No entanto, acredito que aquilo que se mantém por longa tradição, por especial e espontânea deferência dos cidadãos, é um uso legítimo e que não faz de ninguém, desde que respeite eticamente o seu
espaço de atuação, melhor do que o outro. Até porque, ao contrário dos bons atos que esses sim perduram para sempre, as palavras, como escreveu o poeta Horácio na Roma Antiga, apenas morrem e renascem as vezes que o uso e os costumes assim determinarem.
Multa renascentur quae jam cecidere cedentque / Quae nunc sunt in honore vocabula, si volet usus, / Quem penes arbitrium est et jus et norma loquendi.
(Muitas palavras que já morreram hão de renascer, e cairão em desuso outras que atualmente estão em voga, se assim quiser o uso, que detém o arbítrio, o direito e a norma de falar).

 

 

Crónica: Fernando Arrobas, médico dentista
fernando.arrobas@jornaldentistry.pt

Ilustração: Diogo Costa | dcosta_4@msn.com

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