JornalDentistry em 2023-3-22
Hoje, tenho o privilégio de escrever o editorial de um número muito especial, um número que está dedicado às mulheres num mês em que se fala de sono.
Dr. André Mariz de Almeida, médico dentista.
Assim, e se formos buscar o famoso livro de John Gray, “Os Homens são de Marte e as Mulheres de Vénus”, podemos analisar as diferenças entre homens e mulheres nos diferentes campos da saúde, da ciência à investigação.
Dedico-me à Dor Orofacial, disfunção temporomandibular e sono. Nesta edição d’O JornalDentistry temos algumas das referências nacionais, mulheres, a falar sobre sono. A maior parte delas vão marcar presença no V congresso Sociedade Portuguesa de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial e Sono, que decorrerá de 18 a 20 de maio na Egas Moniz School of Health and Science. Uma oportunidade única para ouvir estas especialistas, líderes na sua área.
Assim, escolhi dedicar este espaço para vos falar de dor. Em particular, nas diferenças ao nível da entre mulheres e homens. Estamos habituados a ouvir que os homens “são uns piegas”. De facto, todos tomamos os mesmos fármacos para a dor, mas hoje sabemos que mulheres e homens apresentam um comportamento diferente na modulação de dor. Uma revisão publicada no Journal of Pain Research em 2017 analisou 25 estudos sobre dor que investigaram as diferenças de género em dor crónica.
Os resultados sugerem que as mulheres têm uma maior prevalência de dor crónica em comparação com os homens, em vários tipos de dor, nomeadamente dor musculoesquelética. Uma das explicações poderá prender-se com questões hormonais. Ou seja, se os homens são mais piegas é porque não estão tão habituados a sentir dor mas também porque se espera que as mulheres sintam dor durante grande parte da sua vida, dor associada à menstruação, dor de parto, estando assim habituados culturalmente a desvalorizar a dor na mulher.
Em 2018, Serena Williams afirmou que “os médicos não ouvem” quando se referia à questão da dor. Enquanto profissionais de saúde é essencial termos noção das diferenças biológicas e culturais relativamente à dor no género.
Devemos ter como objetivo assegurar que temos um entendimento profundo do doente que está à nossa frente, em termos de género e de todas as outras caraterísticas individuais para, assim, podermos individualizar igualmente o tratamento.
Acredito que, no futuro, chegaremos a um ponto em que teremos não apenas comprimidos para homens e mulheres, mas sim totalmente individualizados de acordo com o nosso fenótipo.
Quando falamos de ciência também temos de ver os ângulos mortos na pesquisa científica. Na Medicina Moderna, até há relativamente pouco tempo, grande parte dos ensaios clínicos eram feitos sem qualquer tipo de atenção ao género. Investigadores faziam apenas ensaios em homens e os resultados eram transpostos diretamente para as mulheres. Afinal nessa altura os homens e as mulheres eram todos do mesmo planeta no que toca à saúde. Apenas em 1993 a Food and Drug Administration nos Estados Unidos legislou que os ensaios clínicos patrocinados pelo governo considerassem ambos os géneros. Assim se percebe o viés existente em algumas conclusões em diferentes áreas referente a género.
Um trabalho muito interessante de revisão, em 2017, publicado no Natural Human Behaviour, avaliou 1,5 milhões de artigos médicos e mostrou que a probabilidade de um estudo incluir análise de género e sexo era maior quando as autoras eram mulheres, o que demonstra a importância da inclusão de mulheres em cargos de liderança na pesquisa médica. Além disso, cientistas do género feminino têm 35% mais probabilidade do que cientistas do género masculino de desenvolver tratamentos que beneficiem as mulheres, mas apenas 13% dos detentores de patentes são mulheres, indicando que há uma falta de reconhecimento e apoio para as mulheres na área de pesquisa.
É um privilégio escrever este editorial, neste momento do nosso tempo, em que sabemos que a paridade de género tem um caminho longo, o trabalho vai ser duro, mas temos a noção do caminho a percorrer, com quem caminhar e o muito que há a fazer. Da minha parte, é uma honra trabalhar com todas as mulheres com quem partilho a minha vida profissional e académica. Inspiram- -me todos os dias, e fazem com que cada vez seja melhor investigador, professor e médico. Obrigado