O JornalDentistry/Fernando Arrobas em 2018-1-02
É normal que, com o passar do tempo, as teorias que a determinada altura eram consideradas amplamente aceites comecem a ser refutadas e sirvam de base para aprimorar novas formas de ver o mundo e a história da biologia e da vida.
É o que Frank Ryan, médico e biologista britânico, tem vindo a procurar fazer com a teoria de Darwin. Embora seja também um evolucionista e reconheça a brilhante visão do naturalista inglês, opta por referir o valioso papel da cooperação (ao invés da competição) para a vida sustentada da biosfera. No seu livro Darwin’s Blind Spot relata um conjunto de relações simbióticas na natureza que
foram fundamentais no processo de evolução e mostra que a “sobrevivência do mais apto” nem sempre se aplica. Um dos exemplos é o do caranguejo-eremita que transporta uma anémona na carapaça. Quando os peixes e polvos se aproximam do caranguejo-eremita, a anémona pica estes predadores, afastan- do-os do local. O seu ganho desta relação é alimentar-se dos restos da comida do caranguejo.
De facto, nas últimas décadas, a biologia molecular e a genética têm tentado explicar o funcionamento de componentes celulares individuais. No entanto, de forma mais recente, tem-se tornado clara a neces- sidade de investigar, de forma sistemática, o modo como os processos celulares (incluindo sinalização, transcrição, tradução, homeostase de metabolitos e outras moléculas, ciclo e divisão celulares) se integram para permitir a vida ao nível da célula e depois do tecido, do órgão, do organismo, do ecossistema e do ambiente. No fundo, esta área em franca expansão, designada por “Biologia de Sistemas”, procura tornar a comunidade científica e o mundo mais cientes de que as espécies coexistem e evoluem em conjunto, não podendo ser vistas como entidades desconectadas.
Lembrei-me disto a propósito dos alertas repetidos acerca de sobre-prescrição antibiótica. De forma irónica, temos sido ensinados a declarar guerra aos microrganismos. Desde o sabão antibacteriano até ao uso indiscriminado de antibióticos (ora por autorrecriação dos doentes, falta de educação para a saúde ou por decisão precipitada dos clínicos), não é só a resistência bacteriana a novas infeções que preocupa. A relação de cooperação e benéfica entre ser bacteriano e ser humano também acaba por ser esquecida, comprometendo o ecossistema, pois as novas correntes biológicas sublinham cada vez mais a importância do conceito de comunidade (sobrevivência dos grupos “mais aptos”) ao invés de indivíduo.
Tudo no universo remete para um todo e para uma parte. A Terra e todas as suas espécies constituem um “organismo” vivo e interativo. Este é um pressuposto básico, pese embora seja com frequência esquecido. Cooperação. Uma palavra a reter para o futuro, neste e em vários outros contextos.
Autor: Fernando Arrobas, médico dentista — fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa — dcosta_4@msn.com