2015-7-19

CONVIDADOS

Crónica Fernando Arrobas, MD.

DRACHENZÄHNE

Ou, em português, dentes de dragão. Era o nome dado às fortificações piramidais em forma de dente e com cerca de 120 cm de altura utilizadas durante a Segunda Guerra Mundial para se impedir o progresso dos veículos mecanizados, empurrando-os para zonas de “chacina” onde se encontravam as armas “anti-tanque”.

Criada inicialmente pelos alemães nas linhas de Sigfried e na Muralha do Atlântico e utilizada, mais tarde, também pelos franceses nas linhas de Maginot, acabou por revelar-se uma estratégia mais infrutífera do que o esperado, uma vez que os veículos especializados de desobstrução venciam estes obstáculos com relativa facilidade. Na verdade, durante os anos de guerra existiram outras “dores de dentes” bem mais difíceis de ultrapassar.
A relação entre os dentes e a guerra é antiga e são vários os exemplos. Nas guerras do século XVII, apresentar uma dentição saudável no setor anterior era condição fundamental para o exército inglês, pois não existia outro método de se abrirem as tampas de madeira das bolsas que continham pólvora. Já no século XX, desde a Gengivite Ulcerosa Necrosante Aguda (GUNA), que foi descrita, pela primeira vez, como “Doença das Trincheiras” pelo médico francês Henri Vicent durante a Primeira Guerra Mundial, passando pela remoção das obturações de ouro dos judeus nos campos de concentração, até à mistura de óxido de zinco com eugenol para o recrutamento apressado de soldados americanos para a Guerra do Vietname, as histórias que envolvem dores de dentes, dentistas improvisados e mandíbulas perfuradas com armas de fogo são infindáveis.
Porém, é pouco conhecida a feliz história da dor de dentes que, como nenhuma outra, contribuiu para a manutenção da cultura como a conhecemos hoje.
Ora, perto do final da Segunda Guerra Mundial, foi criado, no exército aliado, um destacamento conhecido como “Homens dos Monumentos”, que estava destinado a palmilhar a Europa de lés a lés com o intuito de recuperar as obras de arte pilhadas pelos nazis durante o período de confronto.
Com a derrota alemã e gorado o plano de Adolf Hitler em construir o maior museu de arte do mundo na sua terra natal em Linz, Áustria, a urgência aumentava, uma vez que as ordens eram para a destruição total dos objetos roubados. Todavia, segundo o diário do arquiteto Robert Posey, aquela dor de dentes que o acompanhava era mais insuportável do que qualquer outro ferimento.
Dificultava-lhe a concentração para pensar e executar o seu trabalho. Chegado então a Trier, mesmo sabendo que não havia tempo a perder, a sua prioridade era que lhe indicassem o dentista mais próximo (o do exército encontrava-se a 160 km de distância). Após o devido tratamento e sem nunca esperar a resposta que veio a obter, explicou a sua missão ao dentista que o observou.
Coincidência ou não, o homem que acabara de atenuar um dos problemas mais comuns de que os soldados padeciam durante a guerra (com agravantes adicionais de não se poderem alimentar convenientemente), tinha outra solução milagrosa: o seu cunhado tinha sido o homem responsávelpela “campanha de arte” levada a cabo pelo Führer durante a ocupação francesa e belga.
Estudioso de arte, tinha sido obrigado a trabalhar para o exército nazi, encontrando-se na posse de toda a informação, planos e mapas. Foi assim que os “Homens dos Monumentos” tiveram acesso à localização da mina de sal de Altaussee, onde foram encontradas 6577 pinturas, 230 desenhos/ aguarelas, 954 gravuras, 137 esculturas e outras centenas de obras de arte. Entre as peças, encontravam-se tesouros como o Retábulo de Gand, O Astrónomo de Johannes Vermeer ou a Madona
e o Menino de Michelangelo.
O alívio de uma dor de dentes nunca vem só. É raro, porém, ser concomitante com uma recuperação épica da história e da cultura da humanidade. Eis uma excelente narrativa para se contardurante uma extração ou uma abertura coronária.

Crónica: Fernando Arrobas, MD.
fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa
dcosta_4@msn.com

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