JornalDentistry em 2023-2-20
Exerço medicina dentária há 24 anos. Tenho a particulari- dade e enorme honra de conjugar a prática clínica com ensino e investigação. Sou especialista em Periodontologia (OMD) e dedico-me à periodontologia e implantologia.
Orlando Martins, DDS, MSc, PhD
Sou docente de Periodontologia na Área de Medicina Dentária da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde também exerço a minha atividade de investigação.
Na minha prática clínica é cada vez mais frequente a presença de pacientes portadores de patologia peri-implantar. É um facto crescente.
Ao longo dos últimos anos a reabilitação oral com implantes tem sofrido um acréscimo prodigioso. Há artigos que apontam para os 12 milhões de implantes/ano, a nível mundial. Acredito que este número seja bastante superior pelo simples facto de, em praticamente todos os países, não haver um registo obrigatório dos implantes colocados. Hoje colocam-se implantes com um facilitismo atroz. Todos colocam implantes, muitas vezes ainda sem saberem fazer uma simples restauração ou uma correta destartarização. O implante é, erradamente, visto como a melhor solução para todos os casos.
A esmagadora maioria dos pacientes portadores de patologia peri-implantar que observo não sabe o que isso é! Não sabem que, um dia, seria possível desenvolverem esta patologia! Quando observo um paciente com patologia peri-implantar e lhe descrevo a sua situação clínica a grande generalidade pergunta-me “Como é isto possível?” ou “Paguei uma fortuna por esta reabilitação e agora corro o risco de a perder?”. A grande maioria dos pacientes não sabe que há a possibilidade dos implantes falharem pois, como em qualquer ato cirúrgico, a taxa de sucesso não é de 100%. Da mesma forma a generalidade destes pacientes não sabe higienizar implantes. Muitos nem sequer sabem que tal é possível e obrigatório! Na realidade, uma percentagem des- tes mesmos pacientes nem sequer sabe escovar os dentes quanto mais higienizar implantes! “Controlo da placa bacte- riana? O que é isso?”. Até podem escovar os dentes mas há uma diferença entre escovar e escovar corretamente. E essa diferença, no caso dos implantes, pode assumir proporções catastróficas.
Parece óbvio que um paciente que não apresenta um correto controlo da placa bacteriana nunca poderá ser um candidato à reabilitação com implantes. O clínico tem que compreender isso. O clínico deve transmitir isso ao paciente.
Se, para a grande generalidade dos clínicos e investiga- dores, a etiologia da patologia peri-implantar é bacteriana como pode um paciente com uma periodontite descon- trolada ser reabilitado com implantes? Da mesma forma a responsabilidade do clínico perante o paciente que reabilita com implantes não termina no dia em que finaliza este trabalho. Já sabemos ser fundamental para o sucesso dos mesmos que o paciente seja sujeito a uma avaliação do risco de desenvolvimento de patologia peri-implantar e em função desta determinar um programa de suporte peri-implantar. Este deve ser desenhado de forma personalizada para aque- le paciente e deve ser-lhe transmitido.
Na minha prática clínica, depois da explicação da situação clínica patológica, estes pacientes são instruídos para que consigam controlar corretamente a sua higiene oral/placa bacteriana. São responsabilizados para tal! RESPONSABILIZADOS! Apenas após demonstrarem essa capacidade é que é possível avançar para a fase seguinte. O paciente é parte integrante da consulta e do sucesso do tratamento! Se ele falha eu não avanço. Se não avanço não trato a patologia.
Para esta comunicação com o paciente considero funda- mental o recurso à imagem e vídeo. O registo do estado oral na 1ª consulta bem como nas subsequentes permite ao paciente ter uma noção do seu trabalho de casa e aferir o que for necessário. Os vídeos explicativos de vários procedimentos para higienizar adequadamente os seus implantes e dentes considero-os igualmente fundamentais. O reforço positivo ao paciente pelo seu trabalho nunca deve ser descurado. É basilar ele compreender que o seu esforço tem resultados.
Só depois desta fase vem o tratamento não cirúrgico da patologia peri-implantar. Sabendo-se que a mucosite peri-implantar pode ser revertida apenas com tratamento não cirúrgico e tal não acontece com a peri-implantite. Contudo, também aqui o tratamento não cirúrgico é fundamental de forma a criar condições clínicas ideais para avançar para o tratamento cirúrgico.
Enquanto docente tenho a enorme responsabilidade de reforçar perante os meus alunos a necessidade de serem sempre claros e corretos com os pacientes. Esta humanização e respeito são fundamentais. A formação que lhes é dada deve ser gradual, consolidada. No caso da patologia peri-implantar é fundamental começar pela periodontologia. Se um aluno não consegue diagnosticar, planear e tratar uma periodontite como poderá reabilitar um paciente com implantes? Como poderá diagnosticar uma patologia peri-implantar? Identificar fatores de risco? Como poderá compreender que é fundamental remover uma supraestrtura para uma correta avaliação peri-implantar? Os alunos não são caixas compartimentadas onde as várias valências da medicina dentária são colocadas de forma isolada. Eles devem ser ensinados a utilizá-las de forma criteriosa e holística em prol dos seus pacientes. Esta mensagem de excelência, de procurar sempre melhorar, de análise com espírito crítico deve ser transmitida aos nossos alunos.
No âmbito da docência este ano tenho a honra de presidir à XXXII Reunião Anual de Medicina Dentária e Estomatologia de Coimbra (XXXII RAMDEC), a decorrer dias 24 e 25 de março no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. Teremos em Coimbra vários conferencistas nacionais e internacionais que se irão focar no lema “O desafio da medicina dentária interdisciplinar”. Iremos ter um bloco focado na patologia peri-implantar abrilhantado pelos meus colegas e amigos Profa Doutora Helena Francisco e Dr. Pedro Peña, ambos clínicos de excelência e que partilharão o seu vasto conhecimento aplicado à prática clínica diária, que encontra- mos todos os dias dentro dos nossos consultórios.
Para além da atividade clínica e de docência temos desen- volvido investigação em várias áreas, sendo a patologia peri-implantar um dos focos do nosso grupo de investigação. Considero que um docente, quando possível, deve contribuir para a sociedade académica, clínica e civil através de uma investigação direcionada. Ao longo destes últimos anos desenvolvemos múltiplos projetos pré-clínicos e clínicos focados na patologia peri-implantar. Temos trabalhado com alguns colegas de outros países e contribuímos com resultados clínicos para o tratamento de peri-implantite. Este trabalho tem dado frutos e o nosso grupo não só conseguiu vários prémios como também as fundamentais publicações. Atualmente estudamos novos procedimentos cirúrgicos para tratamento da peri-implantite e tentamos integrar os nossos alunos nalguns destes projetos dando-lhes a oportunidade de conhecerem outra perspetiva da medicina dentária: a investigação. Uma das vantagens de existir uma simbiose entre clínica e investigação (clínico-investigador) é o fator da clínica nos permitir identificar áreas com falhas e a inves- tigação permitir desenvolver metodologias para responder às mesmas.