JornalDentistry em 2024-4-24

CONVIDADOS

Formação Pós-graduada em Portugal. Passado, presente e futuro

A formação pré-graduada e/ou pós-graduada em Medi- cina Dentária é um tema sempre importante e na ordem do dia, especialmente numa época em que a sensação generalizada é a de que a formação dos “médicos dentistas” é cada dia pior.

Prof. Doutor Ricardo Faria Almeida, DDS, MdS, PhD

Não vou entrar em comparações com o passado porque não é este o desafio que aqui me foi lançado, mas confesso que não tenho uma visão tão catastrófica do presente.
Todavia, enquanto docente universitário há mais de 25 anos, a nível da formação pré e pós-graduada, em Portugal e fora dele, tenho a responsabilidade de olhar para o passado, para melhor entender o presente e projetar o futuro que se quer seguramente melhor.
Assim, olhando para o passado, a formação pós-gradua- da organizada a nível académico em Portugal começou pela área da Ortodontia e, mais tarde, na Cirurgia Oral, Periodontologia e Implantologia. Na altura, entendia-se que estas áreas requeriam da parte dos médicos dentistas um conhecimento mais profundo, não somente teórico, mas fundamentalmente prático, que a designada na altura licenciatura, não permitia. Era uma época em que os cursos de pós-graduação, à exceção da ortodontia, não tinham regulamentação nacional conducente à atribuição de título de especialista, apesar de a nível europeu tal já acontecer em algumas áreas e países. Nesta época, os cursos eram eminentemente práticos e com uma carga horária limitada, à exceção da ortodontia.
Em 20 de maio de 2000, é aprovado o Regulamento dos Colégios de Especialidades da Ordem dos Médicos Dentistas. Na altura foram aprovadas duas especialidades - a Ortodontia e a Cirurgia Oral -, ainda as únicas contempladas na Diretiva Comunitária em vigor, não tendo, no entanto, a Cirurgia Oral sido completamente regulamentada na altura.
Só mais tarde, a 3 de setembro de 2011, o CD da OMD decidiu:
a) reativar o processo de implementação da especialidade de Cirurgia Oral (CO), criada oficialmente pela Ordem dos Médicos Dentistas no ano de 1999 e, b) reorientar duas das áreas do exercício profissional representadas na Odontopediatria e na Periodontologia, com o intuito de possibilitar a especialização em cada um destes domínios do conhecimento, formalizados através da criação de duas novas especialidades da Ordem dos Médicos Dentistas.
Ora, este foi talvez o grande impulso que faltava à formação pós-graduada, para se multiplicar e ganhar fôlego no quadro do ensino superior.
Passaram mais de 20 anos e um longo e difícil caminho foi percorrido, seguramente com erros, mas, no geral, posi- tivo e que permitiu abrir portas ao desenvolvimento das mesmas no seio da medicina dentária e também à possível criação e regulamentação de novas especialidades, agora em discussão.
Assim, é neste contexto que estamos, onde o ensino pós-graduado ganha espaço, mas acima de tudo passa a estar regulamentado, não somente a nível nacional, mas também europeu e que, uma vez cumpridas as normas, abrem a possibilidade aos seus estudantes de concorrer ao título de especialista pela OMD e/ou outras entidades no contexto europeu.
Relativamente às quatro especialidades em funcionamento, esses critérios foram já criados, mas devem, no meu entender, merecer uma contínua e permanente discussão, tendo em conta a rápida evolução dos novos métodos de ensino e aprendizagem. Por outro lado, e porque não cabe à OMD formar especialistas, deve a OMD ser sensível às sugestões das Instituições de Ensino Superior onde, por direito próprio, as mesmas devem ser lecionadas. Isto requer, seguramente, um trabalho sério e difícil, mas que deve sempre ter como único objetivo a melhoria da qualidade dos espe- cialistas formados e nunca objetivos de outra índole, sejam eles políticos, académicos ou económicos.
Refiro-me ao número de horas teóricas e práticas, pré-clínicas e clínicas, lecionadas por especialistas na área, a um número de atos mínimos efetivos realizados pelos alunos em ambiente clínico real, cumprindo os padrões europeus e suas recomendações. Não me refiro a m2 das salas de aulas, ou a números de funcionários alocados, ou outros aspetos que saem do quadro de objetividade para entrar em aspetos de natureza subjetiva sem qualquer sustentação pedagógica e/ou científica.
E, como referi, deve ser um processo contínuo de avaliação por parte da OMD e seus Colégios de Especialidades, que envolvam os alunos e docentes dos respetivos programas, cujos relatórios e nomeação dos avaliadores devem ser “públicos” no seio da classe. Acredito que, só assim, todos ficaremos a ganhar.
Às Instituições do Ensino Superior cabe criar e cumprir as regras impostas pelos Colégios da Especialidade, da OMD e seu CD, não esquecendo que falamos de títulos profissionais e não académicos. É importante que todos os players se sintam ouvidos, exponham as suas ideias, se discutam as mesmas, para que todo o processo seja limpo, transparente, profícuo e público. Acredito que somente assim evitaremos o risco de não existirem suficientes instituições do ensino superior formadoras de um número adequado de especialistas por entenderem que foram excluídas do processo ou o risco de não existir a qualidade que todos pretendemos na formação dos diferentes futuros especialistas.
Por outro lado, somente assim evitaremos um risco, sempre presente, de abrir espaço para que centros de formação privada, alguns até em parcerias com universidades estrangeiras de qualidade duvidosa, se acharem no direito de entrar no processo. Algo que, manifestamente no meu entender, iria adulterar e destruir todo o processo que levou anos a criar.
Considero também fundamental que as universidades assumam as suas responsabilidades num ensino de qualidade. É fundamental que entendam o ensino pós-graduado como complemento a um ensino pré-graduado que se quer a cada dia melhor, e não como uma passagem para o ensino pós-graduado do que se fazia no passado no pré-graduado. Neste contexto, é fundamental que as instituições consigam que estudantes de pré-graduação e da pós-graduação colaborem no tratamento dos pacientes, que interajam nesse sentido e que sejam motivados e estimulados a fazê-lo pelos seus docentes. É também fundamental que sendo um título profissional e não académico, que os docentes alocados aos respetivos programas tenham a formação adequada para serem uma mais-valia enquanto docentes dos mesmos. É, no meu entender, bem diferente ser docente universitário na  pré-graduação e na pós-graduação, como o é ser docente nas áreas das ciências fundamentais ou nas áreas clínicas.
 

O que nos espera do futuro das pós-graduações?
No contexto europeu em que vivemos, numa época de dificuldades de financiamento do ensino superior, devem as pós-graduações ser um motor de ajuda nesse sentido. Para tal, as mesmas devem abrir-se num quadro europeu onde o idioma joga um papel fundamental de abertura das universidades e das suas pós-graduações à Europa e ao Mundo. Deve o ensino da pós-graduação ser lecionado em inglês e cumprir as normas europeias existentes para atrair um conjunto de estudantes de outros países. Quem o fizer liderará seguramente o processo.
Em suma, foi, é e será seguramente um processo sempre difícil, em contínua progressão, que exige de todos, OMD, universidades, e classe, uma discussão aberta e séria, sem radicalismos, sem “clubites” ou outros interesses, para o bem de todos e da medicina dentária.
No entanto, todos devemos assumir as nossas responsabilidades de modo que as        pós-graduações não sejam apenas uma forma de diminuir os conteúdos programáticos e a prática clínica da pré-graduação, assegurando um ensino de qualidade, lecionado por docentes com formação adequada ao que se pretende.

 

Ricardo Faria Almeida, DDS, MdS, PhD; Full Professor - University of Porto; School of Dental Medicine; Department of Medicine and Oral Surgery (Periodontology and Oral Surgery) Portugal; www.fmd.up.pt Private website: www.rfacepi.pt

 

 

 

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