O JornalDentistry em 2017-7-20
Com a nossa boca conseguimos respirar, falar, fazer expressões, atrair, provar, beber, morder, comer, lamber, sugar, cuspir, assobiar, produzir música e beijar! E que beijo foi aquele que se tornou emblemático como o fim da Segunda Guerra Mundial, em particular o conflito entre os Estados Unidos da América e o Japão.
Naquela terça-feira, 14 de agosto de 1945, em plena Times Square, Nova Iorque, um marinheiro extasiado com alegria do momento deslocou-se decidido no seu traje azul e boné branco e não se coibiu de segurar, inclinar e beijar, em frente de toda a multidão, uma senhorita que por ali deambulava com o mesmo sentimento de felicidade.
Desde capa de jornal a postal, este acontecimento, registado pela fotografia de Alfred Eisenstaedt, ocupou o seu lugar na história e tornou-se um símbolo de paz, amor e regresso a casa. A linda história do marinheiro e da enfermei- ra, heróis de guerra, num pleno reencontro apaixonado. No entanto, a histó- ria nunca é tal como se conta e os pormenores podem ser lidos no livro The Kissing Sailor: The Mystery Behind the Photo that Ended World War II da auto- ria de Lawrence Verria e George Galdorisi. Em primeiro lugar, um e outro afinal nem se conheciam e não consta que a rapariga, apanhada de surpresa, tenha ficado bem impressionada, pois muita da coragem para aquela atitude era advinda, na verdade, de alguns decilitros de álcool. Acresce ainda que o oficial de primeira classe da marinha George Mendonsa tinha namorada e, passados uns dias, esta não apreciou especialmente vê-lo como capa de jornal naquelas poses. Até porque os protagonistas nem se aperceberam de que estavam a ser fotografados e muito menos calculavam que a sua imagem se viria a tornar num ícone mundial. Por último, Greta Zimmer não era enfermeira e não tinha estado de serviço em alguma zona de conflito. A sua profissão era assistente dentária. Trabalhava na clínica do Dr. JL Berke, localizada no cruzamento entre a 33rd Street e Lexington, encontrando-se naquele local para confirmar as notícias sobre o fim da guerra que iam sendo transmitidas pelos pacientes que chegavam para as consultas.
Se por um lado, é de facto interessante e curioso conhecer agora alguns dos detalhes, por outro, tenho de reconhecer que o fascínio que tinha pelo conceito que a imagem representava se desvaneceu um pouco. Assim, por momentos, esqueci a imagem, fixei-me apenas na ideia da guerra como metáfora da vulnerabilidade da vida e permiti-me antes adaptar o poema de Jean Carlo Barusso sobre o abraço:
“Ninguém sabe Quando será O último beijo
Então, Por precaução (ou sensatez) Beije sempre Como se fosse a última vez”.
Dedicado à minha namorada.
Texto: Fernando Arrobas, médico dentista — fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa