O JornalDentistry em 2022-4-25
Ser Técnico de Prótese Dentária (TPD) não é fácil!
Luis Macieira, TPD.
Esta é provavelmente a última frase deste texto que reúne consenso entre a classe dos TPD. Fortemente marcada por uma origem artesanal, esta profissão sofre hoje mais com as desvantagens dessa origem do que beneficia das vantagens que dela provém. Fortemente enraizados na cultura de arte são, os TPD prendem-se a dogmas e perdem quanto a mim nesta altura da história a melhor oportunidade para valorizar a sua profissão, mas sobretudo, melhorar a sua performance e a qualidade dos dispositivos que fabricam.
Nos últimos 20 anos assistimos a uma mudança tecnológica assinalável nos processos de fabrico de próteses dentárias, e o “saber” em prótese dentária deixou de ser a capacidade de produzir fisicamente uma peça, para hoje, com alguns cliques esse passo estar garantido e passar a ser o “como” e “porquê” de cada aspeto a distinguir os resultados. Nunca, por isso, o conhecimento foi tão importante! Ao invés disso a tecnologia e os recursos agora existentes são frequentemente usados para produzir mais, mais rápido, e mais barato; chegando estes a ser os protagonistas, em vez dos resultados obtidos. Quem se atrever por exemplo realizar uma conferência ou formação, sem palavras como, “digital” ou “novo(a)”, arrisca no mínimo uma reação de desinteresse. O “como” e o “porquê” estão fora de moda!
Parte de um tratamento, a prótese dentária deve ser entendida como tal e não apenas como um artefacto prescrito e em condições de ser instalado. Para isso falta desde a formação de base, mas sobretudo na cultura profissional do TPD, a noção de que se não entender o tratamento, dificilmente entenderá a prótese. Um total alheamento sobre a atividade clínica acentua esta falta e cava um fosso cada vez maior à medida que a medicina dentária avança e os tratamentos evoluem na sua complexidade.
Esta cultura nega por preconceito tudo o que está asso ciado a sistemas de produção porque qualquer conotação fabril ou industrial tem uma carga negativa pois os artesãos “vivem num mundo” em que a qualidade é assegurada por um indivíduo, porque sabe “truques”, sabe resolver problemas à sua maneira, e é muito jeitoso de mãos, ignorando que o simples facto de haver uma “sua maneira” pode por si só querer dizer que é errada, e que por ironia muitos desses problemas “resolvidos” são criados por si e por um processo produtivo enviesado.
Tudo o que é formulação, padronização ou sistematização, é mau porque retira a individualidade ao trabalho do TPD e reduz a oportunidade de desenvolver a sua vertente artística. Este bloqueio e preconceito limita a busca de um compromisso possível entre o melhor de dois mundos onde não existe qualidade sem cumprimento de requisitos, que cada vez mais o TPD desconhece, colocando a sua energia maioritariamente no “papel de embrulho".
Entender os fundamentos de cada passo do fabrico, protocolar processos e exigir condições prévias para a execução eficiente, são utopias que muitos lamentam não atingir, mas a maioria teme aplicar. Muito mais fácil exorcizar responsabilidades do que as tomar na devida medida, e com base nessas dotar-se das capacidades, para de forma competente executar o fabrico e responder por ele. De tal modo chegámos ao ponto de comparar uma prótese dentária a um eletrodoméstico procurando equiparação quanto á garantia sobre o fabrico. Como se a expectativa de durabilidade de um tratamento dentário com recurso a uma prótese dentária devesse estar limitada por uma garantia legal prestada pelo fabricante da prótese, que em vez de a produzir para que acompanhe a vida do tratamento, a possa realizar para durar o tempo da garantia.
A linguagem, essencial para a comunicação entre pares é outro dos problemas da classe dos TPD, pois queixando-se desde sempre de dificuldades de comunicação com os clínicos, raramente se esforçaram por falar a sua linguagem, e qualquer tentativa de a nivelar é vista como preciosismo ou vaidade.
E o tempo! Esse foge, difícil de controlar sendo uma realidade que boa parte dos laboratórios só são viáveis economicamente porque distorcem a variável “tempo” e seriam inviáveis trabalhando oito horas por dia, cinco dias por semana, sem se darem conta que só por si, esse facto remete para uma revisão dos processos produtivos, dos protocolos de trabalho, e da organização e planeamento da atividade.
Mas para tudo é preciso uma base de conhecimento. Até para encontrar o erro e o corrigir. Pelo contrário, e ao que parece, errar enobrece os homens e por si só, transmite experiência, chegando mesmo a ser recomendável.
Assim chegámos aqui, e nesta fase da história um TPD dispõe-se a trabalhar com materiais e processos que não domina, mas são novidade, sem formação e com resultados piores que os que antes obtinha. Delega decisões ou pede ajuda a comerciais para as tomar, e por vezes, trabalha em cima de prévias decisões arbitrarias e genéricas porque desse modo não se envolve na responsabilidade de as tomar com critério e com base em conhecimento. Assim e por hoje proponho a reflexão, e como ferramenta de autoanálise a observação do gráfico anexo em versão simplificada, baseado nos trabalhos de David Dunning e Justin Kruger dos quais junto uma referência. Até à próxima…
Bibliografia
Kruger, J. and Dunning, D., 1999. Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6), pp.1121-1134