JornalDentistry em 2024-6-24
Platão, o filósofo grego, postulou que a única medida para qualquer ação humana assenta na essencial avaliação da bondade dos gestos praticados. Agimos bem ou mal? Atuámos com decência e em prol da comunidade, ou movidos por maus motivos?
Dr. Miguel Pavão, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas.
No momento em que chega ao fim o atual mandato dos órgãos socias da Ordem dos Médicos Dentistas, impõe-se que desassombradamente se proceda também à ponderação do trabalho realizado e dos resultados alcançados, avaliando os desafios com que o presente e o futuro nos interpelam e traçando um rumo claro que permita fazer mais, fazer melhor e aspirar a um devir mais auspicioso para a profissão e para a Saúde Oral dos portugueses. Faço-o, aliás, com um sentimento de responsabilidade acrescida e ciente de que, apesar dos obstáculos e das adversidades impostas pelas circunstâncias, nem sempre é possível concretizar todos os objetivos a que nos propusemos. Todavia, o saldo final é muito positivo ao longo destes quatro anos, fazendo-me perceber que a OMD é uma instituição credível e respeitada.
Mas não ignoro, e seria estultícia fazê-lo, que a Medicina Dentária vê-se confrontada por inúmeros desafios, que são também simultaneamente oportunidades e tempos deci- sivos. Como exemplo, a dimensão ética e deontológica na profissão carecem em assumir um protagonismo que parece ter-se esvaído, difundindo-se numa sociedade agitada e conturbada com a celeridade dos acontecimentos.
Mas há que reconhecer que nos anos mais recentes fica- ram indelevelmente marcados pelo avanço na afirmação científica da profissão, e por um esforço de consciencializa- ção da sociedade civil para a decisiva importância da Saúde Oral no bem-estar físico e social da comunidade. Foi possível, deste modo, e graças à intervenção decidida da OMD, alcançar progressos significativos em diversos domínios, desde logo no reconhecimento crescente da necessidade de assegurar a equidade de acesso a cuidados primários de Medicina Dentária.
Demonstram-no o relatório de Saúde Oral 2.0, apresenta- do em dezembro último, e as medidas nele preconizadas — enfatizando o papel da prevenção e o alargamento da rede de cuidados de Medicina Dentária no SNS —, mas também os compromissos já assumidos pelo novo governo nesta matéria ou a recente portaria, de 13 de março, que estabe- lece os requisitos mínimos para o licenciamento, instalação, organização e funcionamento das unidades de Saúde Oral, ou ainda a portaria da revitalização do Cheque Dentista.
A nomeação de médicos dentistas, para posições cimeiras na condução das políticas de saúde oral, é também determinante para que as oportunidades sejam verdadeiramente aproveitadas em prol de uma profissão que pode ajudar a transformar e a melhorar o país.
Nesse sentido, é fundamental garantir que o caminho já percorrido não permita retrocessos e que sejam dados pas- sos efetivos que permitam consolidar o trabalho realizado.
A dignificação da profissão e das condições do seu exercício exige, por outro lado, que sejamos capazes de enfrentar desassombradamente os problemas criados pelo elevado número de médicos dentistas que todos os anos são formados e lançados no mercado. Nesse campo, saúda-se a recente decisão da A3E’s sobre a escolha pela qualidade de ensino em detrimento da quantidade.
Também, a crescente emigração de quadros altamente qualificados, e o consequente desperdício de recursos, a par do surgimento de um conjunto de práticas eticamente discutíveis e que lesam a segurança dos doentes e a dignidade do exercício da profissão, devem obrigar-nos a persistir na afirmação dos valores essenciais à prática médica — a discrição, a partilha, a intimidade, o sigilo e o cuidado ao próximo — e na defesa intransigente da qualidade, do rigor e da excelência da formação como único caminho para a defesa da Medicina Dentária.
Nada disto será possível, e nisto persistiremos, sem uma desejável adequação da oferta formativa às reais necessi- dades do país, numa trajetória contínua pela qualidade e por querer de verdade em melhorar a Saúde Oral dos portugueses. No entanto, sem o efetivo reforço do investimento público neste domínio, sem a criação da carreira de médico dentista no SNS e das Unidades Públicas de Saúde Oral, ou desperdiçando a rede privada existente e a capacidade téc- nica e científica espalhada por todo o país.
A dignificação da Medicina Dentária, pela sua afirmação científica, técnica e ética, bem como pela essencial garantia do acesso universal a este cuidado de saúde primário, exige determinação, persistência e convicção, e deve interpelar toda a classe, todos e cada um dos médicos dentistas, mas também aqueles de cujas decisões e ações depende a efetiva concretização das medidas necessárias a uma mudança de paradigma que permita consolidar a decisiva importância da Saúde Oral para o bem-estar da comunidade.
Só animados por este objetivo seremos capazes de fazer aquilo que falta e almejar o que pretendemos. Unidos, só unidos, lá chegaremos.