No dia 8 de março celebrou-se o Dia Internacional da Mulher, cuja origem nem sempre tem sido consensual, sendo a mais conhecida a homenagem a operárias fabris vítimas de um incêndio intencional como retaliação à luta dessas trabalhadoras.
No entanto, outras narrativas são também consideradas: uma delas teria vindo de uma proposta de estabelecimento deste dia durante uma conferência internacional de mulheres em Copenhaga, como forma de luta contra a exploração, por direitos políticos e sociais, por melhores salários e contra a guerra; outra explicação menciona que no dia 8 de março de 1917, operárias russas e familiares de soldados do exército criaram um movimento contra a fome e pelo fim da participação da Rússia na I Guer- ra Mundial.
Independentemente de qual das histórias teve mais peso na fixação desta data, não há dúvida de que surge marcada pela luta pelos direitos das mulheres. Atualmente, em Portugal, mantém-se a luta das mulheres sobretudo contra a violência e a desigualdade.
Na nossa profissão, tendo em conta “Os Números da Ordem” publicados em 2023 pela Ordem dos Médicos Dentistas, as mulheres a exercer medicina dentária são cerca de 62,2% dos seus membros ativos, com uma evolução crescente na taxa de feminização que passou de 151% em 2018 para 165% em 2022. De acordo com o mesmo estudo, mantém-se a grande expressividade de mulheres nas camadas mais jovens, representando 74% dos médicos dentistas com 30 anos ou menos e cerca de dois terços dos profissio- nais com 50 anos ou menos. As médicas dentistas portu- guesas contam já com um longo caminho trilhado de luta árdua e sucesso.
Só mencionando algumas conquistas mais recentes, recordo a colega Cristiana Palmela Pereira que foi eleita presidente da IOFOS - International Organization for Forensic Odonto-stomatology, a colega Maria dos Remédios Peixoto promovida a coronel, a colega Susana Falardo, eleita Presidente da EADSM - European Academy of Dental Sleep Medicine e a colega Inês Monteiro Filipe nomeada CDO – Chief Dental Officer e, em simultâneo, a primeira mulher e a primeira médica dentista a ocupar este cargo a nível nacional.
Ao pensar sobre as mulheres na medicina dentária, não deixo de pensar nas lutas que hoje vivemos, coleciono desabafos de colegas que certamente espelharão realidades de outras colegas que não conheço: a colega exausta que ao chegar a casa pelas 19-20h não tem energia para cumprir o seu papel de mãe; a colega que optou por deixar de exercer para se dedicar exclusivamente à maternidade, insegura pelo julgamento que lhe possa ser feito; a colega que tem a seu cargo as obrigações de acompanhamento a uma mãe dependente e as exigências dos seus filhos ainda pequenos; a colega recém-viúva com filhos e uma clínica para gerir; a colega que constantemente desmarca a sua agenda quando os filhos não podem ir à escola; a colega que sofre pressão da clínica onde exerce por querer reduzir horas de trabalho para poder acompanhar mais de perto os filhos; a colega que decidiu diminuir o número de horas de trabalho em prol da sua saúde mental; a colega que adia a vida familiar por falta de estabilidade; a colega que faz grandes sacrifícios financeiros para investir em mais formação sem saber ao certo se isso se traduzirá em ganhos económicos; a colega que decidiu investir noutra área; a colega que queria aceitar aquele cargo, mas que implicaria retirar ainda mais tempo à clínica e à família... todas estas colegas lutam diariamente para se manterem à tona da água; todas estas colegas têm sucesso ao vencerem mais um dia.
Muitos dos desafios da mulher médica dentista na atualidade prendem-se com a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal. Vários estudos realizados em Portugal apontam a grande dificuldade das profissionais nesta conci- liação, já que passam muitas horas a trabalhar e as responsabilidades familiares e domésticas ainda recaem, maioritaria- mente, sobre si. Os diferentes papéis que desempenhamos ao longo da vida interferem constantemente entre si, sobrepondo-se e interpondo-se continuamente, não só pela exigência da nossa vida profissional num mercado satura- do com excesso de oferta e pela constante necessidade de atualização de conhecimentos, como também pelo tempo exigido pela vida pessoal, não só para dedicação à família, como também para a realização de atividades de lazer, des- canso, vida social ou até à prossecução de outros interesses. É este equilíbrio dificílimo de conseguir que contribuirá para a nossa boa saúde mental. O burnout pode desenvolver-se gradualmente e é possível que possa permanecer sem ser identificado durante muito tempo. Não é apenas cansaço: a característica mais importante é a atribuição da fadiga e da exaustão a domínios específicos como o trabalho ou a vida pessoal.
Apesar de cada vez se observarem mais homens a desenvolverem o seu papel como pai e cuidador, a mulher ainda é vista como a principal responsável pelo cuidado da casa e pelo acompanhamento dos descendentes e ascendentes. Mas... Quantas vezes nós, mulheres, acabamos também por contribuir para a perpetuação desta ideia, adotando uma postura mais pró-ativa na execução destas tarefas com a ideia de que apenas nós seremos capazes de realizá-las bem, evitando assim perder ainda mais tempo a corrigir aquilo que consideramos não ter sido bem executado pelos outros...
O problema é que quando o peso da não partilha das tarefas se começa a fazer sentir e, simultaneamente, a pressão no trabalho aumenta, torna-se difícil esta conciliação, sobretudo para casais em que ambos têm carreiras exigentes. Principalmente nestes casos, são necessárias concessões de ambas as partes, facilitando muito quando também existe uma excelente rede de apoio interno, tal como pais, irmãos, amigos ou apoio externo para quem tenha a possibilidade de contratar alguns serviços.
Genericamente, uma solução viável será sempre a da delegação de funções e este é mais um desafio da mulher médica dentista. Seja em casa, seja no trabalho. Uma das maiores vantagens da delegação de funções é a otimização de tempo, evitando-se a sobrecarga de trabalho. Tendencialmente, a pessoa em quem é delegada determi- nada tarefa sente-se valorizada e motivada, o que aumenta a sua confiança, conduzindo a melhores resultados. Em primeiro lugar é preciso conhecer as características da pessoa em quem se irá delegar uma função, as suas mais-valias e as suas fragilidades; em segundo lugar é necessário que quem delega se mantenha disponível para dar todas as informações necessárias e esclarecer todas as dúvidas.
Tal como delegar funções em colegas ou funcionários, delegar funções na família, sobretudo nas crianças, permite desenvolver nelas competências físicas e não só, como a empatia, o comprometimento e a autonomia, entre outras. A delegação de funções deve ser acompanhada, tentando evitar o processo de crítica constante.
Conseguiremos fazê-lo? Certamente sim! Conseguir a colaboração de outro(a) colega em áreas que não nos apaixonam tanto poderá permitir uma reorganização do nosso tempo clínico, disponibilizarmo-nos para apoiar um(a) colega que se encontre mais sobrecarregado, identificarmos um colaborador com capacidade para desempenhar funções necessárias à gestão corrente da clínica, assumir que determinada tarefa pode não ficar tão bem executada feita por outra pessoa, mas que faz parte de um processo de aprendizagem que poderá em breve trazer frutos para ambas as partes.
Cabe a cada uma de nós definir o que é ser “bem-sucedida”, muito para além da mera perceção de resultados positivos pela aplicação de esforços, temos de perceber que o sucesso está condicionado pelos nossos recursos, objetivos e sonhos, sem esquecer que estes se vão alterando ao longo da nossa vida.
O Dia Internacional da Mulher representa uma luta coletiva que traduz a luta individual de cada mulher e é a todas as mulheres médicas dentistas, que medem o seu sucesso nas conquistas do dia-a-dia, nas diferentes esferas da sua vida, a quem dedico este texto.