JornalDentistry em 2023-1-21
Sendo comuns e desejáveis, as resoluções de novo ano correm o risco de produzir pouco efeito. Sabemo-lo por experiência própria e, assim mesmo, é inevitável que, com a chegada de mais um mês de janeiro, sucumbamos à tentação de reciclar energias e de colocar em cima da mesa os objetivos e projetos que esperamos concretizar nos meses seguintes.
Dr. Miguel Pavão, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas
É assim na vida pessoal e profissional de um médico dentista, sendo também legítimo e saudável que esta prática seja transposta para as organizações e, neste caso, para a Ordem dos Médicos Dentistas.
Espectadores e reféns das circunstâncias inerentes à globalização das políticas e da economia à escala global — e de um cenário marcado por conflitos, instabilidade e incertezas políticas —, 2023 traz-nos como única certeza, para já, a inflação que se faz sentir de forma acentuada, e que não sabemos ainda até que ponto impactará as nossas vidas, e a atividade dos nossos consultórios. Mas o panorama parece sombrio e aconselha à prudência.
Este novo ano trará ao universo das ordens profissionais mudanças significativas ao nível do seu enquadramento legal, decorrente da aprovação, no final de 2022, da lei que revê o respetivo regime jurídico (Lei no2/2013), alterando também a lei no 53/2015. Esta revisão legislativa, tendo sido contrariada durante dois longos anos, vem agora introduzir alterações de conteúdo e forma às nossas organizações, pondo em causa a sua independência e imparcialidade.
A título de exemplo, refira-se que o novo enquadramento legal criou um órgão de supervisão e impôs que este seja cons- tituído, em 40%, por professores do ensino superior que não estejam inscritos na Ordem. Ao fazê-lo, creio, dará origem a um potencial conflito de interesses, na medida em que as ordens ficarão condicionadas quando forem chamadas a pronunciar-se sobre o ensino das profissões que estatutariamente devem regular.
Resta-nos, pois, esperar que o ano de 2023 contribua para o cabal esclarecimento desta questão, e da sua eventual inconstitucionalidade, seja por via da pronúncia da Provedora de Justiça, seja pela intervenção do Presidente da República.
No campo da saúde, as perspetivas para 2023 são elevadas. O compromisso recentemente assumido pelo atual ministro da Saúde, Dr. Manuel Pizarro, durante o congresso anual da OMD, em novembro último, deixa todos os médicos dentistas esperançados quanto ao início de um novo tempo para a saúde oral em Portugal. Que a prometida mudança, e a agenda que a concretizará, coloque de uma vez por todas um ponto final nos sucessivos adiamentos impostos pela anterior tutela, a qual, a pretexto da pandemia, secundarizou o direito de acesso de todos os portugueses à Medicina Dentária.
Para que este objetivo enfim se concretize e seja garantido o acesso universal a cuidados de saúde oral, são vários os pon- tos que, neste novo ano, merecerão a nossa atenção:
— A reforma profunda e a valorização do cheque-dentista, abarcando os diversos grupos-alvo, sejam os portadores de doenças crónicas, sejam os que carecem de tratamento de urgência e de traumatismos.
— A criação da carreira da Medicina Dentária e a sua incorporação efetiva nos cuidados de saúde primários.
— A aceitação da proposta da OMD relativa à alteração do estatuto do diretor clínico, reforçando o seu papel e intervenção, e protegendo os médicos dentistas que assumem esta função relativamente às suas responsabilidades éticas e deontológicas.
— A possibilidade de contemplar e comparticipar os dispositivos de Medicina Dentária do Sono.
— O arranque de projetos de Medicina Dentária social, alargando os cuidados de saúde oral às populações especialmente vulneráveis, que são acompanhadas por instituições de abrigo e apoio social.
Para quem, como os médicos dentistas, tem vivido tempos de grandes alterações do quotidiano, afetando diretamente o funcionamento das clínicas dentárias, torna-se difícil encontrar um padrão de normalidade ou de convencionalidade.
Resta-nos, a perspetivar este novo ano de 2023, uma certeza absoluta — a de que estamos preparados para a incerteza, sendo esta a única certeza que temos. Tal afirmação significa que não perderemos o foco e que não nos permitiremos qualquer esmorecimento no caminho que temos por diante. Com persistência e preparação, continuaremos a pugnar pela concretização dos nossos objetivos.
A todos os médicos dentistas deixo, pois, uma palavra de ânimo, de esperança e de compromisso. Juntos construiremos uma Medicina Dentária melhor e cada vez mais qualificada.