O JornalDentistry em 2021-3-18
Cumprem-se agora três meses desde a apresentação do Plano de Vacinação COVID-19 em Portugal. Ainda as entidades internacionais competentes não tinham autorizado a sua administração e reconhecido a sua eficácia, este tema já estava na ordem do dia no nosso país.
Miguel Pavão Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas
Naturalmente que aqui, como em todo o mundo, a expectativa era elevada – chegava a prometida luz ao fundo de um túnel já longo, escuro, imprevisível e doloroso que atravessávamos desde 11 de março de 2020, aquando da declaração da pandemia por COVID-19 pela Organização Mundial de Saúde.
É inegável a capacidade extraordinária que a ciência de ponta teve em dar resposta ao inimigo biológico, ultrapassando até as mais otimistas perspetivas dos centros de investigação de referência mundial, que previam uma resposta no prazo de um ano, deixando relevar o elevado nível e a eficácia da investigação. Assim, surgiu rapidamente uma vacina, com um custo aceitável, pronta a administrar e que com ela trouxe a esperança de tréguas com a pandemia.
Porém, a administração de uma vacina a toda a população traz aos países desafios ímpares, deixando sobressair as desigualdades socioeconómicas, os diferenciais no acesso, e o valor do poder e da riqueza. Os avanços e recuos das negociações entre a indústria farmacêutica e a União Europeia são um exemplo da complexidade logística envolvida neste processo. Até mesmo a definição dos critérios de prioridade para administrar a vacina foi sujeita a sucessivos diálogos antes da chegada a um consenso.
O objetivo último da vacinação é a proteção de grupo. É garantir que, protegendo um número elevado de pessoas, se protegem todas, quebrando as cadeias de transmissão. A imunidade de grupo obtém-se apenas com 70% da população vacinada, o que coloca uma meta difícil de alcançar, particularmente num contexto de globalização em que a deslocação de pessoas é regra. Com otimismo, prevê-se que não antes de 2022 se consiga. Para além disto, não é possível ainda perceber a eficácia plena da vacina — particularmente no que se refere à resposta face a novas variantes do vírus — nem a duração da imunidade, restando-nos manter as medidas de proteção individual por um período de tempo indeterminado.
A par desta realidade de incerteza, vamos assistindo a injustiças que nos fazem duvidar da seriedade dos planos, como a vacinação ocasional ou de grupos para os quais não existem critérios de prioridade.
Ora, tudo isto coloca-nos numa posição de vulnerabilidade, em que sentimos o cansaço e a vontade de desistir. Tal e qual como numa maratona, sem o doseamento do esforço, dificilmente chegamos à meta. Particularmente nos quilómetros finais, exigentes e que acusam mais fadiga.
Neste caso, a maratona ainda vai longa e desconhecemos a proximidade da meta. Por isso, é fundamental que a serenidade e a responsabilidade nos acompanhem neste percurso. Já passámos por momentos que julgámos transitórios e não o foram, já vivemos perdas, já tememos pela nossa saúde e pela dos nossos, já acreditámos que tudo se resolveria rapidamente e, logo de seguida, que a pandemia veio para durar. A incerteza é a palavra que marca o momento, mas a confiança na nossa capacidade de resistência, de superação e de espírito de união enquanto coletivo humano e solidário, é fundamental para fazermos a travessia até o novo normal. Daqui, como de todas as crises, sairemos mais fortes e mais conhecedores. É essa a meta desta maratona.