O JornalDentistry em 2017-5-09

CRÓNICAS

A mudança de paradigma na educação em medicina

Urge pensar a formação em medicina dentária para os próximos 20 anos. Num período marcado por uma curva de crescimento acentuada e assustadoramente sustentada do número de médicos dentistas, não parece crível antever um futuro compatível com a dignidade da profissão.

Dr. João Caramês, Médico Dentista

Há um ano que a Ordem dos Médicos Dentistas regista mais de 10 000 membros ativos, estimando-se um crescimento anual médio de 5%. Se já hoje observamos um cenário de subemprego e precariedade entre as gerações mais jovens de médicos dentistas, que realidade iremos observar nos próximos 20 anos se nada for feito? A pergunta já partilhada por muitos, parece ainda não encontrar respostas
ou sugestões eficazes pelas entidades com o dever moral e cívico de exercer um papel regulador.
Mais do que discutir as razões que nos conduziram a esta realidade, importa encontrar as melhores soluções que a diluam nos próximos anos. Em consciência, as Universidades ou Escolas Superiores de Saúde habilitadas a conferir o Mestrado Integrado de Medicina Dentária e o seu corpo docente não poderão reconhecer este ‘ciclo autofágico’ em que colocam os seus alunos sem nada propor ou fazer.
Educadores e instituições académicas deverão manifestar uma vontade inequívoca na sua resolução. Sendo por demais evidente o conflito de interesses subjacente ao financiamento das instituições de ensino pelo numerus clausus associado em cada ano letivo, cabe às mesmas proporem a inversão do atual paradigma da educação em medicina dentária. Enquanto Professor Catedrático da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, creio que a valorização de todos os envolvidos poderá estar assente em duas premissas: o investimento na formação académica pós-graduada e o desenvolvimento de novas dinâmicas nos centros de investigação existentes em cada instituição de ensino.
Pela primeira, geramos condições para melhorar a qualidade da medicina dentária praticada em Portugal, criando uma “melhor e mais saudável concorrência” em detrimento de uma “maior e quiçá degradante concorrência”. O investimento na formação académica pós-graduada representa não apenas a proposta de programas estruturados de promoção de especialistas com a duração de três anos, mas também de programas mais curtos para a diferenciação e atualização do médico dentista generalista nas várias áreas durante o seu percurso clínico. Não querendo assumir uma postura parcial, considero que o rumo traçado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa em relação ao ensino pós-graduado parece ser o mais ajustado à realidade futura.
Pela criação de novas dinâmicas em unidades de investigação ou laboratórios, refiro- -me à capacidade dos grupos de trabalho instalados serem capazes de estabelecer parcerias com a indústria, garantir fontes de financiamento externo pela aquisição de bolsas ou prémios de investigação ou assumirem a capacidade de prestação de serviços. Neste sentido, parecem-me entendíveis os requisitos impostos pelo recente sistema de avaliação e acreditação do Ensino Superior - A3ES. Como que por um mecanismo de “seleção natural” imposto, e independentemente da sua natureza pública ou privada, as escolas que caiam na tentação de apenas gerar canudos ou diplomas sem a capacidade simultânea de produzir ciência ou conhecimento tornar-se-ão mais fracas e estarão condenadas à extinção.

Não me parece igualmente entendível no atual contexto sócio económico, continuar a assistir-se ao esbanjamento de recursos pelo Estado Português na formação de um médico dentista, que inevitavelmente fará parte de um êxodo migratório para melhorar a saúde oral de outro país. A Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), enquanto autoridade competente para a autorregulação da medicina dentária por delegação do Estado Português, tem mantido uma voz ativa sobre esta realidade. Estou certo, que a postura construtiva e de perseverança até agora assumida pela atual Ordem dos Médicos Dentistas será condição fundamental para alavancar junto dos representantes governamentais um projeto de resolução para o problema.
Dirijo por fim, a mensagem deste texto aos alunos futuros médicos dentistas e médicos dentistas mais jovens. Partindo da afirmação do filósofo alemão Immanuel Kant “Ousa pensar por ti mesmo” será fundamental que assumam uma postura crítica face às condições do vosso percurso profissional. Sejam criteriosos nas escolhas de formação e preparem-se para ser competitivos na excelência clínica. Enquanto elementos-chave desta cadeia que perpetua uma progressiva e triste proletarização, assumam-se em essência como a “boa moeda” capaz de expulsar a má de circulação.


Este artigo foi publicado na Impressa e  Digital do “O JornalDentistry” abril 2017

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