JornalDentistry em 2024-5-03

CRÓNICAS

Crónica Jovem

O Dia Mundial da Saúde, celebrado todos os anos na data de 7 de abril, marca o aniversário de fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, e a cada ano tem

António Costa, médico dentista.

um subtema diferente. Este ano coloca em grande destaque “a minha saúde, os meus direitos”. Todos deverão ter direito, citando a publicação da EADPH, a atendimento seguro e de qualidade; zero discriminação; privacidade e confidencialidade; consentimento informado e informação sobre todos os tratamentos; integridade e autonomia corporal; e possibilidade de decidir sobre a própria saúde.
A saúde é, ou deveria ser, um direito humano fundamental; apesar de 140 países reconhecerem a saúde como um direito constitucional, nem sempre na prática se verifica um acesso universal: em 2021, mais de metade da população mundial ainda não tinha acesso a serviços básicos de saúde. A globalização tem-nos mostrado que os problemas de alguns rapidamente se transformam nos problemas de todos e, como tal, deveria haver um maior sentido de entreajuda entre os países mais desenvolvidos na criação de infraestruturas e preparação de recursos humanos nos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento. De igual forma, as alterações climáticas e ambientais poderão também ser uma questão premente, pois espera-se que o surgimento de fenómenos extremos seja mais frequente, que haja uma alteração daquela que é considerada a normalidade climática e que contribua para a migração dos padrões de doença. É urgente um combate global às alterações climáticas e à preservação do ambiente; não basta redigir acordos, nem sempre cumpridos.
Segundo a OMS, “o tema deste ano foi escolhido para defender o direito de todos, em todos os lugares, de ter acesso a serviços de saúde, educação e informação de qua- lidade, bem como a água potável, ar puro, boa nutrição, habitação de qualidade, condições ambientais e de trabalho decentes e liberdade da discriminação.” Felizmente, em Portugal, temos bons índices de qualidade na maioria dos aspe- tos citados, sempre passíveis de melhoria. Contudo, gostaria de ressalvar duas situações: a primeira é que a população portuguesa ainda não apresenta os índices de literacia em saúde ideais.
De acordo com um estudo publicado em dezembro de 2016, em Portugal, 61% da população inquirida no estudo apresentava um nível de literacia geral em saúde proble- mático ou inadequado. De acordo com a OMS, a saúde pode ser definida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Assim, cada vez mais importa pensar a saúde como um todo, investindo no aumento da literacia da população.
Especificamente na nutrição, um dos principais desafios é o aumento da prevalência de obesidade e de outras doenças crónicas relacionadas com a alimentação, tais como problemas oncológicos ou mesmo doenças cardiovasculares. Ainda que alguns dos fatores de risco destas doenças estejam bem determinados, associados ao consumo de certos tipos de alimentos, não tem sido fácil reduzir o consumo destes alimentos. As doenças mentais são também um flagelo que afeta e, arrisco-me a dizer, sempre afetou. Contudo, numa altura de constante ligação em rede, a prevalência de doenças relacionadas também com o trabalho aumentou consideravelmente. Não esquecendo as doenças orais, que podem ser prevenidas até em conjunto com outras áreas, como a já falada nutrição. A solução está à vista: a necessidade de promoção de estilos de vida mais saudáveis, a prática de exercício físico, bem como a eliminação de fatores de risco, tais como o tabaco e a diminuição consumo de álcool, deve estar na agenda de todos os players em saúde.
Esta falta de literacia reflete-se também numa outra situação desagradável, seguramente já vivida por todos os profissionais de saúde: faltas às consultas. Torna mais difícil ter um serviço de saúde abrangente a falta de responsabili- dade na sua utilização.
A segunda é que vivemos atualmente um tempo contur- bado nos serviços de saúde por variadas razões, ficando a ideia de que precisamos de um sistema de saúde mais adap- tado às novas realidades da população. Temos uma população envelhecida, a necessitar e a consumir não só mais cuidados de saúde, mas também de cuidados e tratamentos diferentes. Segundo números da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 1% dos doentes absorvem 30% dos gastos em saúde. Esta situação, juntamente com algum desgaste do modelo implementado, que não se soube reinventar, trouxe uma pressão adicional aos serviços de saúde que, por sua vez, tem originado alguma insatisfação justificada pelo grande aumento dos tempos de espera, como o comprova o estudo da Entidade Reguladora da Saúde sobre os TMRG - tempos máximos de resposta garantidos - ultrapassados até em situações que tal é injustificável: no período relativo ao primeiro semestre de 2023, cerca de 19% dos doentes com cancro foram atendidos no SNS com tempos de espera superiores ao estabelecido na legislação.
Uma outra grande falha no Serviço Nacional de Saúde atual é também a falta de resposta efetiva em todas as áreas e, de forma muito particular, a saúde mental, a saúde oral e na área da nutrição. São áreas onde os portugueses apresentam indicadores de saúde preocupantes e cuja resposta por parte da tutela tarda em aparecer.
Para isto, devemos cada vez pensar no conceito One Health - a ideia de que a saúde dos seres humanos, a saúde de outros animais e a saúde do meio ambiente estão vital- mente conectadas. Portanto, profissionais das diferentes áreas médicas e veterinárias, bem como aqueles de outras disciplinas científicas, de saúde e ambientais, devem trabalhar cada vez mais de forma conjunta.
Desta forma, foi pioneira a entrega conjunta de um docu- mento elaborado pelas nove Ordens Profissionais da saúde ao recém-empossado Primeiro-Ministro, Dr. Luís Montene- gro. Demonstra visão e vontade de ajudar a criar um futuro melhor. Falta agora operacionalizar esta visão, o que cabe à classe política. O repto foi lançado.
Num outro assunto, decorreu no dia 6 de abril, no Porto, o primeiro Hackathon da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), promovido pelo Conselho de Jovens Médicos Dentistas. Con- tou com a participação de dezenas de colegas médicos den- tistas, bem como de profissionais de outras áreas, ao encontro do já mencionado anteriormente neste texto: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, design thinking, investigadores em áreas científicas relacionadas, bem como alguns dos decisores políticos da área. Foram debatidos ao longo do dia cinco temas: Fuga de Cérebros (Emigração); Uma Só Saúde e Medicina Dentária no SNS; A Medicina Dentária de Amanhã; Reforma do Plano Curricular, Urgente e Necessária?; Turismo em Saúde e Medicina Dentária.
Para todos os temas, tentou-se fazer um diagnóstico do problema e elaborar um conjunto de soluções, que serão compiladas num documento e entregues a todos os stakeholders.
Foi, sem dúvida, um grande sucesso e parabenizo todos os intervenientes, em especial a OMD, pela ousadia de fazer diferente.

 

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