JornalDentistry em 2023-4-14
Hoje escrevo este editorial com ainda mais certeza de que a inteligência se mede pela capacidade de antecipar o futuro.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia
Não de adivinhar os números do Euromilhões, mas de interpretar os sinais e antecipar o caminho que segue um determinado assunto, problema, projeto. Essa antecipação faz-nos poupar muitas horas de trabalho em vão, de sofrimento, ou de retrocessos. E resulta de passar pela vida, não superficial- mente, mas com a envolvência própria dos que aceitam que nela não há nada de garantido ou imutável.
Escrevo numa altura em que os médicos dentistas mais antigos formados em Portugal estão, agora, a atingir a idade da reforma. Numa altura em que a segurança social ainda é sustentável. Os médicos dentistas têm, em si mesmo, e pela natureza empreendedora da sua profissão liberal, a vantagem de serem livres, nos horários e no desempenho. A liberdade sempre traz colada a responsabilidade. No trabalho, como na vida. E dei por mim a pensar, ainda que estando longe da reforma, como a podemos antecipar?
Não antecipo uma segurança social justa ou robusta que nos segure nesses tempos. Não antecipo estabilidade financeira de recursos passivos que nos mantenha. É só olhar para a inflação e volatilidade dos mercados para os antecipar. E então o que esperar? Como preparar esses tempos?
O investimento no aperfeiçoamento das técnicas e dos métodos de trabalho, acompanhando a evolução, mas, ao mesmo tempo, limando e apurando a eficácia entre o tempo que se investe e o resultado que se tira do investimento, é crucial nessa antecipação da reforma. À medida que avançamos no trabalho é esperado que aumentemos a previsibilidade dos resultados, ajustando ao máximo o melhor tratamento ao diagnóstico mais fiel. Só assim conseguiremos ir trabalhando no que nos tornamos especialistas, e orquestrando a equipa que toca os outros instrumentos em que já não podemos investir. Tocar os instrumentos em que nos tor- namos experts, orquestrando os outros para que a música não deixe de se ouvir.
Estes últimos dias tive de estar mais ausente das consultas. Tinha de estar impreterivelmente noutro sítio, onde só lá a minha razão e o meu coração serenavam. E percebi que essa gestão de tempo útil, de especialidade, de delegar, de confiar na equipa treinada e motivada é a chave para continuar a servir os pacientes com o dever de fazer sempre o melhor que sabemos e podemos. Assim, ao contrário do que possamos pensar, quanto mais próximos da reforma, mais treinados e atualizados no que nos distingue dos demais, devemos estar. Só assim otimizaremos tempo de trabalho e resultados, deixando algum tempo livre para ir tomando conta dos outros ovos que fomos juntando na nossa cesta. Sim, porque como escreveu recentemente Dr. David Phelps, no Dentistry Today: “No one will look after your future like you will”!
Esta reflexão não servirá a todos. Ou, daqui a 20 anos nem sequer terá sentido nenhum, quando a inteligência artificial estiver sentada ao nosso lado a fazer diagnósticos e a perspetivar resultados de tratamentos baseada em algoritmos gerados ao minuto e ordens acionadas por voz. Nessa altura, se calhar, já não transacionamos em dinheiro, mas em bites e likes e quem tratará de nós e por consequência, dos nossos pacientes, serão robots instruídos artificialmente para o que é o resultado mais comum, não necessariamente para o melhor resultado.
Entretanto, continua a ser verdade que são as relações interpessoais positivas o fator número um no que respeita à manutenção da nossa saúde e aumento da esperança de vida. Por outras palavras, quando o sentido da nossa vida dá sentido à vida de outros e vice-versa. A inteligência artificial poderá antecipar muita coisa, mas nisto, das relações interpessoais terá pouco a dizer, porque mesmo sabendo o que a vida é, nunca a viverá. Votos duma vida bem vivida neste mês em que os cristãos celebram a vitória da vida e da fé! Páscoa Feliz!
— Célia Coutinho Alves , Médica Dentista Especialista em Periodontologia pela OMD, Doutorada em Periodontologia pela Universidade Santiago de Compostela