O JornalDentistry em 2019-12-26
Os últimos 15 anos mostraram um claro alargamento no âmbito das ofertas em saúde oral pública. Salientam-se, entre outras, o cheque-dentista, que se expandiu recentemente para a dentição decídua por onde, aliás, devia ter começado, a instalação de gabinetes de medicina dentária em centros de saúde, as prioridades para pacientes de qualquer idade com graves patologias orais ou gerais.
Prof. Doutor César Mexia de Almeida
É preciso, claro, prosseguir em direcção ao caminho que conduz para o futuro. Os portugueses necessitam, sobretudo, de mais e melhor promo- ção da prevenção da cárie e das periodontopatias, as quais os afectam na sua totalidade, sem exceção dada a natureza daquelas patologias, e que podem ter repercussões graves, em particular as últimas, sobre a saúde geral (diabetes, doenças cardiovasculares, partos prematuros, pneumopatias, cancro oral e outras).
Ambas “arrancam” gradualmente a totalidade dos dentes a mais de um milhão de portugueses após um longo calvário de dores e abcessos. Para mais boa parte da população não tem capacidade económica para chegar aos tratamentos pelo que, também por isso, o caminho lógico tem de ser a prevenção. Mas esta tem de ser conduzida com competência nos princípios e eficácia na gestão, o que na minha opinião não tem acontecido tanto quanto precisamos.
Esta gestão da promoção da prevenção da cárie e das periodontopatias, em particular nos jovens, assim como de toda a cadeia dos seus tratamentos, deveria estar entregue a um Coordenador Nacional da Promoção da Saúde Oral oriundo da saúde oral (médico estomatologista, médico dentista ou higienista oral) com formação pós-graduada em medicina dentária preventiva e comunitária (mestrado ou doutoramen- to) e com experiência de trabalho de campo. Dadas as suas responsabilidades a sua seleção beneficiaria muito se efetuada em concurso público nacional por um júri credenciado e independente.
Não menos importante, alargue-se finalmente a escovagem dos dentes a todas as creches e jardins de infância públicos e IPSSs, sem exceção. É como uma “vacina” para cárie e doenças da gengiva, alargada para toda a vida, ainda que necessitando de rappel anual de vigilância.
Assim, complementarmente, é preciso introduzir, provavelmente de forma gradual mas devidamente programada, a observação anual, revisão também chamada, de todos os jovens dos 2 aos 18 anos com consequente envio imediato para tratamento, se necessário, com o correspondente cheque-dentista.
Há profissionais particularmente bem preparados para esta tarefa, os higienistas orais, e a observação se feita inicialmente nas creches, jardins de infância e escolas primárias permitirá reduzir substancialmente os custos desta medida absolutamente essencial. Depois, para os mais velhos, poderia ser concretizada nos gabinetes dos centros de saúde, ou em clínicas privadas mediante contratualização com higienistas orais também. Para a prevenção da cárie e das periodontopatias é absolutamente essencial esta observação pelo menos anual. Será difícil, não é impossível, é só alargar o que já é feito nalguns centros de saúde.
Também nas clínicas privadas pode e deve haver consultas de prevenção da cárie precoce da infância em que se observem os bebés desde os 12 meses. Inicialmente serão fundamentalmente dirigidas aos pais para os ensinarem a cuidar da dentição dos filhos.
Outras medidas se sugerem: publicação anual das despesas totais com a saúde oral pública, uma avaliação regular e independente do sistema de cheque dentista, acabar de vez com os selantes como medida básica e generalizada de prevenção da cárie transferindo esta despesa para a observação anual acima referida, estudar a hipótese de descentralizar a administração da prevenção e do tratamento em saúde oral para as autarquias o que permitiria aproximar das famílias as medidas de pro- moção da saúde oral .
Estas são algumas das medidas prioritárias para a nossa população. Atos simples mas de grande dimensão nas suas consequências, são o bom sentido em relação ao futuro. Somos, claro, capazes de as executar. Sempre se tem olhado, erradamente, a saúde oral como um campo de patologia “menor” que, consequentemente, pode ser tutelado pela medicina mesmo que seja por profissionais sem formação específica. Vamos corrigir!n
César Mexia de Almeida — Professor Catedrático de Medicina Dentária Preventiva e Comunitária, Faculdade de Medicina Dentária (UL) (Aposentado)