Janeiro é o mês da renovação e da esperança. Da renovação de votos, de objetivos, de desejos para um novo ano que começa. E da esperança de que estes se tornem reais no caminho constante da felicidade humana.
Mas este janeiro não é um janeiro qualquer. É o mês que começa o ano da maior esperança de todas, pelo menos que me lembre em todas as gerações vivas. Este novo ano começou, mas a imprevisibilidade deste parece não nos querer deixar tão cedo.
É no início do ano que normalmente planeamos uma série de objetivos. Férias, passeios, cerimónias, mudanças de emprego, novas formações, novos projetos, mas planear não é mesmo o verbo certo para iniciar este 2021. A renovação, desta vez, vai ser silenciosa. Exige-se de dentro para fora. Os verbos deste ano vão ser mais “ser” do que “ter”. Ser mais paciente, ser mais resiliente, ser mais focado.
Curioso o facto da palavra do ano 2020 ter sido “saudade”, num ano em que poderiam ter sido eleitas palavras como máscara, covid-19, corona- vírus, pandemia, confinamento ou lay-off. Curioso, ou talvez não, tratar- -se duma palavra que descreve um sentimento: sentimento de mágoa, nostalgia e incompletude, causado pela ausência, desaparecimento, distância ou privação de pessoas, épocas, lugares ou coisas a que se esteve afetivamente e ditosamente ligado e que se desejaria voltar e ter pre- sentes. Saudade deriva do latim solitãte que significa solidão. A palavra que descreve o ano 2020 é uma palavra que descreve um sentimento de tristeza pela ausência do outro, pela solidão. Mas é verdade que nos reinventamos na forma de contacto, de nos fazer presentes. Nunca o on-line se misturou tanto com o disponibilidade-on. Misturou-se tudo. As horas do dia de trabalho com as horas da noite de descanso. As mesas do almoço com as mesas de trabalho. Os ecrãs de computador com as janelas de casa, do carro, do avião através da qual víamos o mundo.
Misturamos a nossa humanidade com o ciberespaço e tomámo-nos mais “digitais”. Dedo no teclado, no ecrã, no clique.
O ano de 2021 será, na minha antecipação, o ano da reconversão. Reconverter-nos-emos à essência dos seres sociais que somos. Porque é no contacto com os outros que cada um de nós cresce e aprende. É no contacto com os outros que somos mais felizes, mais completos.
A reconversão da nossa essência social passará por aprender a estar, a ver os outros como a Alice do outro lado do espelho: “Alice through the looking glass”. Veremos os outros, o trabalho, a família, os cursos, as reuniões através do espelho mágico que é um conjunto de pixéis de cada ecrã de computador ou smartphone. E como o faremos ainda por muito tempo, será o tempo de parte dos nossos circuitos psicossociais se reconverterem. Nada disto tem a ver com inteligência artificial ou computadores nos quais podemos programar, inclusive, emoções humanas. Mover-nos-emos num mundo mais cibernético, mais metafísico. Mas isso, do meu ponto de vista, não fará de nós menos humanos. Fará de nós Homens socio-cibernautas.
E não deixaremos de ser Homens. Porque mesmo utilizando cada vez mais as máquinas, não deixamos de viver as emoções que sentiremos através delas. Já as máquinas, mesmo que programadas para sentir emo-ções, nunca as viverão. Viver as emoções cria energia para a ação, para a criatividade e para a reconversão. E a humanidade reconvertida sairá mais forte e mais capaz deste desafio da pandemia.
A tecnologia é o que permite, em 2021, ligar o Homem à vida. Pela interface que nos traz a comida a casa, nos paga as contas, nos ventila na unidade de cuidados intensivos.
Mas a tecnologia não é a vida do Homem. A vida do Homem é o que o distingue da máquina. E assim será sempre. Votos de um excelente 2021! Que nunca percamos a esperança na reconversão para uma vida mais feliz!