O JornalDentistry em 2019-5-23
Sei que talvez devesse abandonar o tema dos dois editoriais passados, mas como não há duas sem três, e porque a atualidade do tema continua a tomar contornos graves, decidi novamente trazer a este espaço o tema das “fake news” em medicina dentária.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JornalDentistry"
Confesso que quando primeiro escrevi sobre o tema no editorial de fevereiro, sentia que o assunto era importante, mas longe de mim espectar que se tornasse viral em tão pouco tempo.
No início deste mês fomos invadidos por um artigo publicado num semanário nacional que acreditava desenvolver um trabalho sério e credível, mas cuja publicação do mesmo arruína por completo os alicerces sérios em cuja imagem se sustentava. Quando a um artigo se dá o título “A verdade sobre a odontologia” no leitor cria-se, imediatamente, como dizia no editorial passado, a perceção de que “sim, eu sabia, eu suspeitava que me andavam a enganar... pois agora sim, alguém me vai contar a verdade, e se está escrito no jornal então é mesmo, seguramente, a mais
pura verdade”.
E ainda salientando em subtítulo a frase que remata e faz o laçarote final a um conjunto de conclusões insultuosas e irresponsáveis em relação à nossa classe: “A verdade da odontologia: É muito menos científica e dada a procedimentos arbitrários do que pensamos”.
Não passaram mais de três dias e já recebo o primeiro paciente na consulta - paciente que conheço e sigo há mais de sete anos - e que já nem me pergunta o que acho do artigo, o que tenho a dizer, mas que parte do pressuposto imediato que a história é verdadeira, o artigo faz o favor de desvendar a verdade da odontologia e que de facto nós somos um charlatães.
E conta de outros dentistas que teve e de outras histórias de amigos ... e valida-se automaticamente pela leitura de um artigo, num jornal credível que, certamente, como me disse, não iria publicar o que não fosse verdade.
E agora? E eu não avisei que um boato é viral a espalhar-se e demora uma eternidade a remediar-se o estrago causado por ele?
E eu só penso na história do juiz que na condenação dum arguido por difamação lhe pede para escrever a história inventada por ele numa folha, rasgá-la em pedacinhos pequenos, ir até junto da praia, lançá-la ao vento e voltar uma semana mais tarde. Uma semana mais tarde o juiz diz-lhe:
“Fizeste o que te ordenei? Agora vai e apanha todos os pedacinhos da folha outra vez...” Missão impossível. Assim é a de apagar o boato, a calúnia falsa, a mentira espalhada.
Citando o Dr. António Mata em resposta a esse jornal: “importa, pois, frisar veemente que hoje em dia, no século XXI, a medicina dentária é uma ciência médica perfeitamente integrada com todas as áreas da saúde, contendo um corpo de evidência científica suficientemente robusto para basear a decisão clínica. Dizer o contrário em argumentações superficiais, mais do que deselegante, é irresponsável e dinamizador de um medo pouco objetivo e pernicioso para com uma classe que merece todo o respeito.”
Agora vamos e apanhemos os pedacinhos da folha de papel...