Começar um novo ano letivo envolve programação, estruturação e reflexão. Por cá, passamos de um para o outro, como quem dorme uma sesta à beira de uma sombra ou esticado na toalha da praia, para retomar de novo a rotina.
Os alertas soam há anos, as notícias sobre o estado da Medicina Dentária e os médicos dentistas em Portugal repetem-se com índices preocupantes, mas os políticos
e os seus programas para a saúde e para o ensino superior são-lhe alheios.
Segundo os últimos dados da Ordem dos Médicos Dentistas, existem 8933 membros ativos e 1095 membros inativos. Destes, verifica-se que 74,7% pediu voluntariamente
a sua suspensão, justificando como principal motivo a intenção de exercer no estrangeiro. Dado que existem médicos dentistas a exercer simultaneamente em Portugal e no estrangeiro, estima-se que cerca de 1500 se encontrem
a trabalhar fora do país.
No Reino Unido trabalham 53% dos que exercem no estrangeiro. Segue-se-lhe a França com 14,6%, e o Brasil com 7,3%, o que pode indicar um regresso de médicos dentistas brasileiros ao país de origem.
Não são estes números razão suficiente para alterar o numerus clausus ou, em última análise, encerrar Cursos de Medicina Dentária?
Chegámos à situação limite de estarmos a oferecer a quase totalidade dos profissionais recém-formados a outros países europeus. Quando estes tiverem uma relação médico dentista/doente equilibrada, deixarão de importar mão-de-obra qualificada e gratuita. Resta, ainda, referir que este é o curso superior mais oneroso para o Estado.
É inaceitável que cerca de 40% da população não tenha acesso a cuidados de saúde
oral e tenhamos um excesso de profissionais que oferecemos a países que nada investiram na sua formação. Urge, assim, não só manter e alargar o cheque dentista como, e essencialmente, estabelecer uma convenção entre o Serviço Nacional de Saúde e os consultórios privados para a comparticipação de tratamentos; inserir os médicos dentistas numa rede alargada de centros de saúde no âmbito dos cuidados de saúde primários (à semelhança das Ilhas) e integrar estes profissionais nos hospitais do SNS para assegurar o tratamento da população hospitalizada, vítimas de acidentes e pacientes especiais (à semelhança do que já acontece no Hospital Militar de Lisboa e noutros privados, com elevado sucesso).
No que toca ao Ensino da Medicina Dentária, ao fazermos o balanço decorridos 10 anos da adesão do nosso país à Declaração de Bolonha, assinada em 19 de junho de 1999 pelos ministros responsáveis pelo ensino superior de 29 países europeus, entre os quais Portugal, constatamos que cometemos um enorme erro ao reduzir a duração (1 ano letivo) do Curso de Medicina Dentária, com consequências drásticas nos conteúdos programáticos das disciplinas fundamentais, pré-clínicas e clínicas.
Este balanço foi feito há muito por outras faculdades (por exemplo: do Norte da Europa), que encetaram recentemente novas reformas no sentido de colmatar esta redução na formação, aumentando a carga letiva.
Muitos docentes com responsabilidades na qualidade do ensino defendem um Curso com 12 semestres, 360 ECTS, agora uma realidade por essa Europa fora! O aumento de 2 semestres permite reforçar a componente médica e a componente clínica, reduzidas com a reforma de “Bolonha”.
Sei que não será fácil, mas não abdicarei de participar em todos os esforços no sentido de repor o que, entendo, restituirá a qualidade do Ensino Médico-Dentário!