No rescaldo do congresso anual da Ordem dos Médicos Dentistas e no último editorial do ano, faz sentido escrever uma reflexão em jeito de balanço.
O congresso é sempre uma altura privilegiada para rever cole-gas e tomar o pulso à trajetória da indústria e, com ela, ao sentido queleva a medicina dentária.
Fiquei com a sensação, que pode estar errada, de que há uma geração mais jovem que vem à procura de conferências tchan, com efeitos visuais e sonoros que não deixem nada a desejar do consumo de shorts nas redes sociais.
Visualmente atraentes, conteúdo rápido e fun, e que se não interessa, se desliza ainda mais rapidamentepara o próximo.
Vi, nas salas, muitos sentados de cabeça no ecrã do telemóvel e poucos no ecrã onde se projetavam os slides.
De facto, o nosso tempo e, mais concretamente, a nossa atenção é a moeda de troca mais cara do mercado. É a que molda constantemente os algoritmos do que consumimos para que cada vez mais o mundo virtual se nos apresente recheado do que mais gostamos de consumir, do que mais prestamos atenção.
E, com isso, tomamos a parte pelo todo, o virtual pelo real, e achamos que a realidade é mesmo o que se nos entra passivamente pelos olhos dentro. Mas também gostei de ouvir um dos Gurus da periodontologia dizer que já não pensa mais que os implantes
são melhores que os dentes naturais, depois de muitos anos ter advogado o contrário. Não é uma mensagem fashion, eu sei, mas é a mensagem mais real que um periodontologia sério pode transmitir a uma plateia de médicos dentistas jovens. Assim eles o tivessem ouvido.
Ouvi também falar da eterna promessa da integração dos médicos dentistas no SNS, mas o pulso que senti do que se falou não me deixou animada. Assim esteja errada. Não deixa de ser irónico ser uma luta que se mantém quando os médicos estão cada vez mais a fugir do SNS. A procurar condições de trabalho e de progressão, onde a meritocracia seja a moeda motivadora para melhor ajudar os que beneficiam dos seus cuidados.
E também encontrei colegas mais experientes e saudosistas.
Daqueles que já não entram nas salas de conferências. Daqueles que, e com justiça,
já abrandaram o ritmo, depois de muita entrega. E aprender a abrandar o ritmo é algo que não se aprende dentro das salas dos congressos.
Aprende-se com o equilíbrio ténue entre o dimensionar do barco que comandamos e o custo para o manter no mar.
E a sabedoria de entender que o barco e a tripulação estão em constante mudança, assim como o mar. É por isso que os congressos, os cursos, as novas tecnologias são essenciais.
São essenciais para manter um barco em constante mudança. Porque o mar nunca para.
Dezembro é também o mês do balanço. Da reflexão do que correu bem ou menos bem durante um ano inteiro, que agora termina, e o que temos de mudar.
Nem sempre para crescer. Mas sempre para mantermos o nosso barco no mar.
Faz-me lembrar daquela história de 2 amigos que estavam na beira dum pontão, sentados cada um com a sua cana a pescar, e um dizia para o outro ao ver um barco passar: “Já imaginaste o que conseguia pescar se fosse dono daquele barco?” “Sim, e depois?”- perguntou o outro amigo. “Depois, ganhava muito dinheiro, e podia comprar mais barcos e ter uma frota a pescar e ganhava ainda mais dinheiro!” “Sim,
e depois?”- voltou a questionar o amigo. “Depois, tinha muito sucesso e vendia a frota e podia reformar-me!” “Sim, e depois?”- voltou a perguntar o amigo. “Depois sentava-me assim, ao pé do mar, sossegado com uma cana a pescar...” “E não é isso que estás a fazer agora?” – concluiu o amigo.
A sabedoria de equilibrar o barco do trabalho é um farol importante para o equilíbrio da vida.
Até os médicos já estão a perceber isso. Boas festas!
Célia Coutinho Alves, Médica Dentista Especialista em Periodontologia pela OMD, Doutorada em Periodontologia pela Universidade Santiago de Compostela