O JornalDentistry em 2021-10-17
A verdade é que vivemos tempos desafiantes e de decisões novas e rápidas. E a nossa capacidade de antecipação na resolução dos pro- blemas e previsão do futuro nunca foi tão posta à prova.
Há dias, aquando do fim da missão da vacinação contra a COVID-19 pla- neada e operacionalizada pela equipa de 32 militares liderados pelo vice- -almirante Gouveia e Melo, assisti a uma entrevista ao próprio onde ele descrevia claramente como trabalhava a sua equipa. Tinha dividido o con- junto dos 32 em dois subgrupos: um encarregava-se de operacionalizar e controlar a logística do presente, o outro encarregava-se de planear o que iria acontecer no terreno daqui a alguns meses. E dei por mim a perceber o que é a inteligência na verdade.
Segundo o documentário “Deus Cérebro” produzido pela RTP e já galar- doado, a verdadeira inteligência não é mais medida pelo QI (quociente de inteligência), ou pela capacidade de resolver puzzles ou cálculos. Mas também não é mais medida pelo QE (quociente de inteligência emocio- nal), pela capacidade de nos relacionarmos com os outros e com o mundo, tirando partido da capacidade de comunicar com o outro. A verdadeira inteligência é a capacidade de prever, de antecipar o futuro e com isso tomar as melhores decisões que nos permitem sobreviver em qualidade e interferir positivamente no mundo.
Afinal, se humanos e chimpanzés só diferem em 1,6% dos seus genes, como poderia uma tão pequena percentagem de genes condicionar tama- nha diferença comportamental? A verdade é que os chimpanzés vivem no “aqui e agora”, como aliás a maior parte dos animais, e os seres humanos têm a capacidade de recorrer à memória, à informação guardada e proces- sada e gerar nova informação, numa antecipação do futuro. Ser inteligen- te é prever o futuro. Não com recurso a bola mágica, mas com o recurso à memória para gerar as melhores decisões na resolução e prevenção dos problemas. O exemplo de organização logística levada a cabo na missão da vacinação contra a COVID-19 é um exercício prático de inteligência. Só ao alcance de um ou poucos homens verdadeiramente inteligentes.
Aos líderes, aos governantes, aos legisladores o que é pedido é isso mesmo. Que antecipem os problemas e as soluções para os prevenir ou resolver em tempo útil. Que sejam homens inteligentes. Mas são cada vez mais as vezes em que leis e decisões políticas desproporcionais e impossí- veis de operacionalizar atrasam aquilo que devia ser o processo evolutivo no sentido das boas práticas e da menor invisibilidade do paciente.
Um exemplo disso é a nova lei da proteção radiológica. Ilógica de redun- dante, retrograda, de volta aos papéis na era do digital, pouco inteligente, não melhorando o cuidado ao paciente, mas contribuindo para o tropeço na engrenagem dum tratamento, que se quer fluido. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que a maior parte das exigências dessa diretiva europeia não vão perdurar. O foco deve estar centrado no pacien- te, na forma de melhor prestar o cuidado à luz da ciência e da capacidade técnica de cada médico dentista. Desfocarmo-nos do essencial é empurrar os médicos dentistas/gestores/responsáveis pela qualidade e segurança, proteção radiológica, resíduos biológicos, prevenção de incêndios, preven- ção da legionella, etc, para a gaveta dos empresários dos dentes.
Ser empresário dos dentes não é igual a ser médico dentista. O médico dentista trabalha pela ética profissional, prevenindo e tratando, sempre em benefício dos seus pacientes. O empresário dos dentes, trata dentes. Não pacientes. Vê em cada dente uma oportunidade de intervenção, por míni- mo que seja o feitio e não o defeito que ele apresenta. Por isso, cada marca do tempo é para eliminar e substituir. Cada restauração pode ser sempre melhorada, cada perda de suporte tem de ser substituída por um implante.
Ensinaram-me, no início da minha carreira, um lema que tento seguir: “If it isn ́t broken, don ́t fixe it”. Saber quando não intervir é tão ou mais importante do que saber quando intervir. Antecipo uma era cada vez mais minimamente invasiva para a medicina dentária. Acredito que antecipa- remos muito melhor os dentes sobre os quais invadiremos com tratamen- tos complexos e os que manteremos, prevenindo intervenções invasivas. Acredito numa medicina dentária focada no paciente e não no dente. Mas prevejo uma luta dura entre querer ser médico dentista e ter de ser empresário dos dentes. Uma luta para a qual legisladores e governantes nos empurram por manifestos interesses economicistas camuflados de preocupação pela saúde da sua população. Deixem-nos trabalhar! Dei- xem-nos ser médicos dentistas!
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