O JornalDentistry em 2019-10-18
No mês em que se comemora o Dia do Dentista, do Sorriso, e o Mês da Saúde Oral, com rastreios e inquéritos à classe, achámos que seria a altura ideal para lançarmos, também nós, uma rubrica nova que falasse na primeira pessoa!
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do “O JornalDentistry”
Como é ser médico dentista lá fora? Como foi tomada a decisão, o que a impulsionou, qual o balanço da experiência? A rubrica “Dentistas pelo mundo”, a exemplo do programa de televisão “Portugueses pelo mundo” pretende dar voz, na primeira pessoa, a muitos colegas que por uma ou outra razão estão a trabalhar fora de Portugal. Os motivos podem ser infinitos... por razões familiares, porque decidiram ir fazer estudos pós-graduados e ficaram, porque encontraram melhores condições de trabalho, pela experiência, pela aventura... Vivemos numa era de mercado livre e sem fronteiras e pelo que fui percebendo o paradigma do mercado de trabalho dos nossos jovens médicos dentistas passa por encarar o público para o qual trabalham, toda a população para além das fronteiras físicas do seu país de origem. Mas quais as razões porque decidem partir? Porque razão 20% dos médicos dentistas formados em Portugal estão a trabalhar fora de Portugal? Por quanto tempo ficam? Quais as vantagens e desvantagens que encontram, quais as dificuldades ou mais-valias? Há diferenças entre países, culturas, realidades de mercado?
Quando ouço frases como “O futuro vai ser a medicina dentária à distância” fico sem perceber se estamos a falar de uma telemedicina dentária, por video-chamada ou foto postada numa app com algoritmos, que analisam dentes, ou se, pelo contrário, falamos de uma medicina dentária feita à distância por médicos dentistas emigrantes que trabalham distantes da sua casa, do seu país, da sua família. Confesso que nenhum dos cenários me agrada como resposta. Como já deixei patente aqui noutras ocasiões, sou bem mais a favor de uma medicina dentária de proximidade, humana, de contacto, daquela que só muitas vezes vendo, observando, perdendo tempo a intervir, faz verdadeiramente a diferença quando o objetivo primeiro é resolver um problema ao paciente. Mas também confesso que se me propusessem trabalhar a 12,5% sobre o valor de convenções ou seguros em que inclusive algumas das intervenções são grátis, talvez fosse mais justo instalar uma app no telemóvel do paciente que fosse capaz de detetar cáries, bolsas periodontais ou mobilidade dentária... ou, então, emigrar para um país mais distante, mas onde me tratassem a mim, médico dentista, com mais humanidade.
Mas temos o revés da medalha, médicos dentistas imigrantes, ou diria estudantes de medicina dentária imigrantes que vindos de alguns países da Europa e também América Latina, que resolvem o problema do financiamento das faculdades privadas, mas contribuem a um ritmo alucinante para uma pletora do mercado de trabalho. Ah, mas esses não ficam cá, voltam para os seus países! Ah, mas o mercado dos recém-licenciados portugueses não é a Europa toda, quiçá o mundo? Então em que ficamos? Contribuem ou não para a pletora do mercado de trabalho sem fronteiras onde estamos inseridos? Numa geração futura, os danos podem ser irreparáveis e em Portugal ficarão os colegas que usaram Portugal como porta de entrada e de Portugal sairão aqueles que legitimamente aqui cresceram, fizeram ensino secundário e superior. Porque lá fora têm trabalho, porque lá fora têm condições de trabalho, porque lá fora já constituíram família. Aí será tarde. Aí, o slogan “Vá para fora cá dentro” fará sentido quando qui- sermos voltar a recuperar os nossos. Mas, aí, não sei se eles virão.
Confesso que estou com muita expectativa para ler os relatos na primei- ra pessoa que a rubrica “Dentistas pelo mundo” vai proporcionar. Tenho muito a aprender, seguramente, temos todos. Escutemos os testemunhos dos “Dentistas pelo mundo” de hoje para que possamos ainda ter “dentis- tas por Portugal” amanhã!