O JonalDentistry em 2020-2-23

EDITORIAL

Editorial: Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do “O JornalDentistry”

“Quando apenas se sobrevive, os dentes passam a não ter importância e com isso deixamos de poder tratar e cuidar dele…”

Dada a situação de alerta máximo mundial face a uma epidemia por

causa de um novo vírus, há algumas reflexões/considerações que se

impõem.

Até agora o que sabemos é que os Coronavírus são uma família de vírus

que podem causar doenças no ser humano. A infeção pode ser semelhante

a uma gripe comum ou apresentar-se como doença mais grave, como

uma pneumonia.

O novo Coronavírus (2019-nCoV), foi identificado a 7 de janeiro de 2020, na

China. Tal surge na sequência de a 31 de dezembro de 2019, a China ter reportado

à Organização Mundial da Saúde vários casos de doentes com pneumonia

de causa desconhecida em trabalhadores e frequentadores do mercado

de peixe, mariscos vivos e aves na cidade de Wuhan, província de Hubei.

Desde aí o número crescente de infetados e de mortos pela infeção não

param de aumentar. Até à data em que escrevo este editorial nenhum

caso tinha sido detetado em Portugal. Mas já muitas rotinas, procedimentos

e medidas de antecipação foram já alteradas.

A mais direta que senti no que respeita à medicina dentária foi a restrição

no número de caixas de máscaras de proteção que os fornecedores

permitem encomendar. Os pedidos estão racionados/limitados a poucas

caixas por encomenda, por mês, por semana...nem eles sabem bem.

Quando me deparei com esta medida confesso que não percebi logo o

seu alcance e implicações. Mas esta sexta-feira depois de ter ido à faculdade

de medicina dentária de Santiago de Compostela dar uma aula ao

mestrado de periodontologia, no regresso ao Porto ouvi na rádio a notícia

que a Organização Mundial de Saúde alertava que não existia no mundo

capacidade de fabrico de máscaras de proteção para o ritmo da demanda

a que preveem que esta epidemia vai exigir... Ora, fiz logo um telefonema

e tratei de encomendar algumas caixas mais. Serve-me isto para a

consciencialização de que muitas vezes tomamos por garantidas coisas

simples como disponibilidade e acesso a métodos de proteção individual

como máscaras, luvas e batas mas ainda mais grave tomamos por garantida

a saúde e a vida sem imaginarmos como um ser anucleado pode dispor

delas e dizimar, assim, aqueles que inventaram a internet, os computadores

e colocaram estações espaciais em órbita.

Outro impacto desta nova infeção vírica na medicina dentária foi reportada

este mês pelo CEO da “Align Technology “, empresa de alinhadores

dentários. As vendas globais da empresa totalizaram 2,4 biliões de dólares

Americanos no ano passado. 2020 começou com um grau de incerteza

para a empresa, que diz que o surto de coronavírus na China pode retirar

até 25.000 casos dos seus embarques no primeiro trimestre.

A China é um dos maiores mercados de países da “Align” e atualmente

representa cerca de 8% da receita total da empresa. E por este andar pode

ser um mercado fechado a muito curto prazo. Fechado aos alinhadores e

a tantas outras “coisas” das quais nos habituamos a tomar por garantidas.

Mas depois há o outro lado da medalha. O da economia, o balanço entre

os que “ganham” com a epidemia. As empresas de fornecimento desses

produtos de proteção, de fornecimento de material hospitalar, de laboratórios

de análises e pesquisa de vacinas, laboratórios farmacêuticos...

Para já, esta infeção serve para refletir sobre o peso duma economia

global desgovernada, num país com uma densidade populacional desproporcional

em que vale tudo para sobreviver e não viver. Esperemos que o

mundo aprenda que esse não é o caminho e que a natureza se autorregula

quer o Homem queira ou não.

Que não seja preciso fechar fronteiras, mercados, economias e que o

mundo continue um sítio onde se viva e não só se sobreviva. Pois quando

apenas se sobrevive, os dentes passam a não ter importância e com isso deixamos

de poder tratar e cuidar deles, com máscaras ou sem máscaras…

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