O JornalDentistry em 2018-7-23

EDITORIAL

Formar para a prática clínica

No mês em que as aulas terminam e as defesas de teses marcam o culminar de mestrados integrados em medicina dentária por todo o país, impõe-se fazer uma reflexão.

Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do “O JornalDentistry”

O ensino da medicina dentária sofreu um golpe fatal com o ajuste a Bolonha, vendo o seu programa reduzido num ano clínico, ano esse essencial para a integração da informação teórica e maturação clínica. Quando falamos dum curso de reduzidíssimo espetro em relação à oferta total disponível (se te formas em dentária não poderás ser mais do que dentista) e tratando-se duma profissão com uma forte componente técnica, parece fundamental que o curso forme tecnicamente bons profissionais. Claro que as outras componentes científicas, emocionais, relacionais, de domínio das tecnologias serão facilitadoras, mas no final a execução dos tratamentos é que dita a resolução dos problemas dos pacientes que nos procuram. 
Receio que não estejamos longe de assistir a outro golpe fatal no ensino universitário da medicina dentária. Sob a premissa comum de adaptar toda a academia a orientações e modelos vindos de outras realidades - já testadas com sucesso, dirão -, veremos docentes de carreira acumular e orientar disciplinas clínicas por excelência. 
Receio que à diminuição de um ano clínico se associe uma orientação técnica por científicos. Se este facto não parece ter tanto impacto em cur- sos de cariz mais teórico/científico, em cursos de cariz com uma vertente técnica, como medicina dentária, mostra-se essencial. 
Fará sentido que um cardiologista que nunca operou um coração forme e oriente cirurgias cardíacas no bloco? Fará sentido que um engenheiro que nunca fez cálculos para uma ponte, execute e decida exercícios de cálculo dos seus alunos que estão a fazer uma ponte? 
Ironicamente, durante o meu percurso profissional fui-me deparando com frases do senso comum, algumas delas encerram algum fundo de verdade ou induzem reflexão. Uma delas dizia “Quem sabe faz, quem não sabe fazer ensina e quem não sabe fazer, nem ensinar, investiga.” Sem levar obviamente à letra o seu sentido, o que importa tirar de lição é que são necessários docentes com as três valências para formar técnicos de excelência. E académicos de carreira, no que respeita à medicina dentária, serão sempre, e apenas isso, académicos de excelência. Académicos de excelência, investigadores de excelência e clínicos de excelência são necessários para formar médicos dentistas de excelência. E não serve esperar que as pós-graduções sejam o lugar para treinar a técnica. Pois o ensino pós-graduado de alguns nunca colmatará o défice que o pré-graduado deixará em todos. 
Num mês em que muitos de nós iniciam férias, deixo esta reflexão para que não estejamos daqui a uns anos a lidar com serviços de turismo dentário, em que os Portugueses busquem férias em paraísos onde a oferta do tratamento dentário é feita por técnicos capazes de executar tratamentos mais do que apenas planeá-los ou pensá-los, usufruindo ao mesmo tempo dumas agradáveis mini-férias... 
 
Editorial da edição de julho de 2018 do "O JornalDentistry"
 

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