O JornalDentistry em 2018-11-25
No mês do maior Congresso da Ordem dos Médicos Dentistas alguma vez realizado, com um número de inscrições recorde, mais uma reflexãose impõe.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JornalDentistry"
Os 20 anos de comemoração da nossa Ordem, bem como o valor simbólico
das inscrições, para além do facto de se realizar no Porto revelaram-se
coincidências felizes para juntar tantos médicos dentistas no Congresso da
medicina dentária por excelência em Portugal.
A verdade é que me cruzei com tantos colegas que já não via há
anos, nem mesmo por esta ocasião. E não pude deixar de sentir alguma
nostalgia dos Congressos de há 20, 15 anos atrás. Nesses anos, lembro-me
que era neste Congresso que os colegas recém-licenciados, a iniciar a sua
vida clínica profissional, eram confrontados com perguntas como: “Já estás
a trabalhar?”, “Tens os dias todos ocupados?, ”Vais montar clínica?” e era
muitas vezes neste Congresso que se abriam oportunidades de excelência
para os colegas mais velhos recrutarem mais novos para a sua equipa, ouvir
referências ou dar referências sobre possíveis candidatos ao lugar, etc.
Neste Congresso, em 2018, pude assistir a uma relação diferente entre
colegas recém-licenciados ou mais novos. As perguntas que se faziam nos
corredores já não eram “Já estás a trabalhar?” ou “Onde estás a trabalhar?
mas antes “Que cursos estás a fazer?” “Já fizeste algum da área x ou y?”
Vi-me confrontada com uma realidade profissional completamente diferente,
que suscitou esta reflexão. Estamos a viver uma era da medicina
dentária em que, face ao número exponencialmente crescente de colegas
a terminar os mestrados integrados, se enche e se batem recordes de
afluência nos Congressos da OMD, sem que isso se traduza em números
saudáveis duma classe profissional sustentada.
Vivemos numa era em que imediatamente a seguir à saída das faculdades
os colegas se inscrevem em um ou mais cursos, de maior ou menor carga horária, mesmo sem estarem integrados no mundo profissionaldo trabalho clínico.
São avaliados entre si pelo número de cursospós-faculdade que já fizeram ou estão
a fazer, chegando a ouvir: “Ah esse não vale a pena...ou aquele é que é muito bom.”
Temo que se esteja a afunilar imediatamente à saída das faculdades a experiência
importantíssima de olhar para uma boca como um todo e poder integrar um plano
de tratamento com prioridades, sequência de intervenção, aprender a integrar um
plano de tratamento como um todo, para poder referenciar, delegar e executar sem
nunca deixar de diagnosticar.
Sim, diz-se que um bom profissional leva alguns anos a aprender a tratar
e outros tantos a aprender quando não deve tratar. Temo que a nova geração
de médicos dentistas venha a ser na sua grande maioria “exclusivista”,
vindo a exercer uma das áreas da medicina dentária assim que tenha a
oportunidade de iniciar atividade clínica pondo em prática o que aprendeu
nos cursos, tal qual o fazia na faculdade na aula da matéria X à hora X, sem
ser capaz de diagnosticar fora do âmbito da sua atuação.
Temo por uma medicina dentária retalhada no seu diagnóstico e tratamento
com prejuízo para a prioridade de tratamentos e, consequentemente,
pela eficácia na resolução dos problemas que os pacientes apresentam
e para cuja resolução nos procuram. E a quem caberá travar este
fenómeno?