O JornalDentistry em 2020-9-24

EDITORIAL

Plano D, de Digital

Normalmente setembro é o mês em que as rotinas se voltam a instalar e as responsabilidades regressam de férias. Mas este setembro de 2020 tem um gosto diferente.

Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JornalDentistry"

Aliás, todo o 2020 tem sido um atentado às nossas certezas, pré-conceitos e níveis de segurança instalados. Desta vez, as agendas estão mais curtas nos seus horizontes, os eventos têm a ressalva de poderem ser cancelados ou adiados e, embora a viver mais
conformados, continuamos confrontados com uma nova realidade que não nos faz mais felizes.
Aprendemos, até ver, várias coisas. Precisamos, como sociedade, muito mais dos outros do que imaginávamos e não serve mais usarmo-nosdeles em nosso benefício próprio, pois as fraquezas dos outros transformam- se inevitavelmente nas nossas próprias fraquezas.
Aprendemos a dar valor a liberdades tão básicas como sentir o ar puro na cara. Aprendemos a partilhar espaços com outros que têm o mesmo direito, exatamente
o mesmo direito do que nós, de estar presentes, sem nos impormos, sem nos acotovelarmos. Aprendemos a viver no agora, muito mais do que fazíamos e a dar valor ao hoje porque as preocupações do futuro apenas nos tiram a paz do presente.
E passamos a ter um plano B, ou diria um plano D de digital, virtual.
Passamos a ter de definir uma série de atuações on-line, à distância, já que o distanciamento se impõe. Não deixa de ser tão estranho como um método que aproxima no mesmo chat on-line ou reunião zoom, pessoas a milhares de quilómetros de distância, pode significar uma desaproximação gigante nas verdadeiras competências sociais que os seres humanos desenvolveram durante séculos. Como médicos dentistas, a nossa atuação clínica é maioritariamente presencial. E se no início desta pandemia eu escrevi todas as dificuldades inerentes às mudanças nos protocolosde trabalho, a verdade é que, de regresso a uma nova realidade clínica, sinto que a classe saiu reforçada na sua relação de confiança com
o paciente. Aproximamo-nos do lugar do médico, de onde nunca deveríamos
ter saído, e tanto nós como o paciente percebemos que o dever ético de assumir a prestação dum serviço de saúde imprescindível deve ser o foco e um objetivo de missão. Adaptámo-nos e sinto-me mais segura no consultório de medicina dentária em plena pandemia do que imaginava há seis meses atrás.
Mas no resto, nas aulas, nas conferências, nos congressos o plano D, de digital, impõe-se. A adaptação passou a ser uma atuação híbrida e daqui não me parece que vamos fugir mais. Assim como os motores dos automóveis, a mobilidade presencial na reunião das pessoas vai assumir um cariz híbrido. Neste 2020, forçamo-nos ao on-line. Cancelamos o presencial primeiro, digitalizamos depois. E continuamos a adaptarmo-nos.
Entramos, mesmo que à força, num mundo ainda mais virtual, e os eventos
são cada vez mais imersivos nesse mundo novo para a medicina dentária.
Não sei se será melhor ou pior. Será seguramente diferente. Mas como tudo, primeiro estranha-se, depois entranha-se. E, tal como trabalhar de FFP2 e viseira, também o sentar-se à frente dum ecrã de cristais na nossa sala, escritório, consultório, em vez de no auditório do centro de conferências, pode vir a ser um novo normal.
Um desafio. Mais um. Uma inevitabilidade na evolução deste caminho híbrido a que a humanidade já não pode fugir.
Aproxima-se um novo mundo virtual a desvirtuar o que tínhamos como normal, como a única forma de fazer as coisas. E será um desafio. Mais um. Mas não é de desafio em desafio, de superação, em superação, de conquista em conquista que o mundo avança e a Homem evolui? Assim será sempre e também na medicina dentária.

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