J em 2025-3-17
Escrevo este editorial no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, data oficializada pela ONU, em 1975, simbolizando a luta histórica pela equiparação das suas condições de vida às dos homens.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia.
Confesso, talvez por já ter nascido depois e num país industrializado e democrático, que nunca senti na pele essa discriminação. Também nunca deixei. Talvez porque tive a sorte de poder nunca ter deixado.
Estar numa profissão liberal também ajudou. Os atos médicos praticados por médicas dentistas não têm menor valor, nem são cobrados a diferentes custos dos praticados por médicos dentistas. O mérito, a diferenciação, a especialização e o saber devem medir o valor pelo qual cada um está na profissão.
E os jovens médicos dentistas deverão estar elucidados para isso. Para o facto da sua independência clínica, ética profissional e defesa do interesse do paciente estarem acima do superior interesse de grandes grupos económicos.
Quando o resultado do estudo “Diagnóstico à profissão 2024”, publicado pela Ordem dos Médicos Dentistas, conclui que 28,7%, mais de um quarto da classe, não voltaria a escolher a mesma profissão, uma reflexão tem de ser feita. O que quer e o que procura um médico dentista quando escolhe ser médico dentista?
Uma carreira, uma profissão liberal, um negócio próprio, independência profissional, ajudar o próximo, tratar pessoas, contribuir para um bem maior na saúde oral da sua comunidade? Isso é tudo válido. Mas com a “carne” também vêm os “ossos”. Um dentista, ao escolher medicina dentária, também escolhe muita dedicação, muito esforço pessoal e familiar, constante atualização, constante investimento, constante gestão de recursos humanos, constante adaptação, um mar de burocracias e normas para cumprir que mais parecem uma maré forte no sentido contrário aos remos, que teimosamente remamos para nos manter à tona e em andamento.
Ser médico dentista é diferente de apenas querer ser médico dentista.
Quando nos concentramos naquilo que somos, nos nossos valores e capacidades, o que queremos fica alinhado. Ficar alinhado significa ficar fácil, sair naturalmente, sair de nós.
Quando nos concentramos naquilo quesomos, quando acreditamos no nosso valor, o que queremos apresenta-se naturalmente. Talvez a desilusão de um quarto da classe que não voltaria a escolher ser médico dentista possa ter a ver com isso. Com a diferença entre ser médico dentista, sentir-se médico dentista e apenas querer ser o que se pensa que ser médico dentista é.
Primeiro é preciso ser. É preciso gostar de pessoas, ter tempo para as ouvir e acolher, olhar nos olhos, gostar de ajudar o outro, ser empático. É preciso desenvolver tudo isso, para pôr em prática diariamente. É preciso ser metódico e organizado, gostar de fazer as coisas bem, em benefício próprio, mas também de quem nos procura, de quem trabalha connosco e é nosso braço direito. E depois é preciso descansar disso também, poder encher de novo o copo para voltar a dar a uma profissão de desgaste emocional rápido e intenso. Sobretudo sendo mulher
. É preciso ver o lucro como a normal recompensa do trabalho e da entrega e não o único e último objetivo da profissão. Sem se subjugar. Sobretudo sendo mulher.
É preciso ser orgulhosamente médico dentista, devolver sorrisos, prevenir doença, controlar patologias orais e sistémicas, ter impacto positivo na vida das pessoas. E entendê-las e tratá-las como o todo que são. Sobretudo sendo mulher.
Quando se é tudo isto, quando ser médico dentista é a nossa identidade, querer ser médico dentista surge naturalmente. Porque é aquilo que somos que nos leva áquilo que queremos. E se assim fosse, nunca nos arrependeríamos de ser médicos dentistas!
Célia Coutinho Alves, Médica Dentista Especialista em Periodontologia pela OMD, Doutorada em Periodontologia pela Universidade Santiago de Compostela