O JornalDentistry em 2020-4-17
Escrevo-vos num tempo de total incerteza. Nós, e eu particularmente, que gosto de ter as “coisas” controladas vejo todas as certezas a escaparem-me pelos dedos. Em plena pandemia da COVID-19 e de consultórios fechados o lema lá fora é : “encontrem todos os casos positivos e isolem-nos.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JornalDentistry
”O mundo está em suspenso. Em reset. E com ele a profissão e a vida!
Ainda vos escrevo durante a névoa da guerra ou deste tsunami biológico. E da névoa a clareza do caminho não se consegue operacionalizar. Navegamos sem instrumentos, somente à vista, a uma vista curta que se vai desvendando no dia a dia à medida que o conhecimento vai evoluindo. Todos os dias, todos os minutos, atualizamos reflexões, pensamentos, estratégias e protocolos. O que escrevo hoje, aqui, pode não ser verdade à luz do que se decobrirá amanhã, mas não quero deixar de expressar o que tem sido a reflexão de uma dentista com 20 anos de carreira, que acumula a direção clínica com a função de sócia gerente, que dirige e se responsabiliza por pessoas, com responsabilidade na formação de colegas, que pensa e tenta gerar conhecimento e alternativas ao antigo “normal”.
O que se sabe hoje é que este novo vírus tem uma propagação ao nível da particula em suspensão mais do que a gotícula. Embora para muitos de nós isto já fosse uma suspeita, só nos primeiros dias deste mês de Abril parece ter ficado demonstrado. As particulas em suspensão pela fala, em ambiente fechado duma sala, podem ficar em suspensão durante vários minutos e atingir vários metros... Se imaginarmos o infindável número de particulas em suspensão pelo aerossol na nossa atividade regular, temos em mãos a necessidade premente de reinventar a forma como trabalhamos ou de pôr em marcha protocolos rigorosos para o controlar.
Nesta altura, a maior parte da classe está procupada com a falta de EPI indicado para o tratamento dos casos urgentes e inadiáveis. Muitos preocupados com a questão económica eminente de sustentabilidade neste período de inatividade. Mas a questão de fundo é como, em que condições, com que protocolos levantamos a atividade. Com que nova realidade, novo normal iremos trabalhar na clínica.
Acredito que só imunes e com testes de imunidade generalizados e rápidos à cadeira, juntamente com testes de diagnóstico poderemos retomar atividade. Teremos de saber se nós próprios e o nosso staff está imune e perceber que doentes estão imunes, positivos ou negativos. Os imunes trataremos debaixo de protocolos estritos, mas menos restritos, os negativos trataremos debaixo de protolocos restritos e os positivos não trataremos de todo e serão encaminhados para o SNS em caso de urgência ou só remarcarão consulta após negativarem e ficarem imunes.
Não passará somente por EPIs diferentes dos que usávamos, mais exigentes de usar e com custos significativos, nem por aumentar os protocolos de limpeza e desinfeção, por adaptar sistemas de ventilação e desinfeção de ar mais ou menos sofisticados, com filtros Hepa e luzes UVc, por aspiração cirúrgica regular, isolamento absoluto com dique, introdução de peróxido de hidrogénio ou iodopovidona nos bochechos e sistemas de refrigeração dos instrumentos rotatórios. Passará pela redundância. Por tudo isso ao mesmo tempo e por circuitos de circulação, zonas limpas, zonas sujas, pessoas limpas, pessoas sujas... a isto acresce muita formação profisional, investimento, tempo para implementação. Será a única forma de sobrevivermos antes do surgimento de uma vacina ou tratamento totalmente eficaz para uma infeção que parece afetar a população como uma roleta russa, no que respeita a como desestabiliza o seu sistema imunitário e a sua resposta.
Em resumo: 1º testar, testar, testar e perceber os que estão imunes; 2º redundãncia nos mecanismos de controlo das vias de contágio não só do aerossol; 3º formar os 35 mil profissionais envolvidos diretamente ou indiretamente na nossa atividade para os protocolos novos a implementar.
Para já o importante é aguentar, aguentar, aguentar. Aguentar em casa, aguentar sem ficar doente enquanto a curva sobe e o tratamento ou vacina não surge, aguentar a crise económica e a onda dessa crise que chega direta ou indiretamente até nós. E acreditar que sobreviveremos para não mais sermos os mesmos. Nem na clínica, nem fora dela! Resguardem-se e boas leituras.