A Associação Académica de Medicina Dentária de Lisboa (AAMDL) voltou a organizar na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL) o Ciclo de Formação Contínua que, ao longo de três meses, abordou temas que farão parte do dia-a-dia dos futuros médicos dentistas.
Após cinco anos, os alunos da FMDUL tiveram a oportunidade de voltar a complementar a sua formação com o Ciclo de Formação Contínua, uma iniciativa que ganhou um novo fôlego graças à atual direção da Associação Académica de Medicina Dentária de Lisboa (AAMDL).
“Apesar de termos acesso a uma formação de excelente qualidade, aqui, na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), a verdade é que o conhecimento nunca é demasiado, principalmente quando podemos ter acesso a formadores com cursos realizados no estrangeiro e que vêm acrescentar valências aos conhecimentos dos forma- dores da FMDUL”, referiu a O JornalDentistry, Catarina Andrade, aluna do quinto ano e presidente da AAMDL.
Para colmatar uma formação que nos primeiros anos é teórica e ajudar os alunos a terem, desde cedo, uma visão do que será a sua prática diária quando saírem para o mercado de trabalho, os alunos Catarina Andrade, presidente, e Nuno Santos, coordenador do departamento científico, cultural e de ação social, da AAMDL, colocaram em marcha o programa eleitoral onde uma das prioridades foi a de retomar o Ciclo de Formação Contínua, que desde 2011 não se realizava.
“Aquilo que tentámos transmitir aos alunos foi uma visão diferente daquela que nos é facultada nas aulas, em que vemos pacientes com os 32 dentes”, reforça Catarina Andrade.
Um modelo inovador por fornecer aos alunos da FMDUL uma formação gratuita diversificada e dotada de conhecimentos transmitidos por profissionais com uma vasta experiência nas suas áreas de especialização, que acabou por tornar-se num complemento à própria formação da instituição de ensino.
Nuno Santos vai mais longe, e refere-se a esta iniciativa como um Congresso para os mais novos. “Como os alunos mais novos ainda não têm a experiência de ir a congressos, acabámos por trazer os próprios congressos até eles, para que também se sintam motivados, pois nos primeiros anos os cursos não são dotados de uma grande componente clínica e assim eles acabam por ter acesso à prática real dos profissionais”, referiu o coordenador do departamento científico cultural e de ação social, da AAMDL.
Uma vez que a FMDUL é a única em Portugal que tem uma oferta formativa que abrange os três cursos dedicados à formação da equipa de saúde oral, os alunos prontificaram-se a oferecer um ciclo formativo capaz de apelar aos estudantes de medicina dentária, de prótese dentária e de higiene oral. Este foi o ponto de partida que marcou o arranque do Ciclo de Formação Contínua na FMDUL.
Comunicação entre TPD e médico dentista: uma questão de previsibilidade
O Dr. Felipe Sousa e o técnico de prótese dentária João Neto inauguraram o arranque da edição de 2016 do Ciclo de Formação Contínua da FDMUL. Os profissionais, que trabalham juntos há cinco anos, levaram até aos cerca de 200 alunos que marcaram presença no Auditório Prof. Doutor Armando Simões dos Santos para a primeira sessão de formação, casos clínicos complexos de sucesso, que têm como base o trabalho multidisciplinar realiza- do entre o técnico de prótese dentária e o médico dentista.
Para o TPD João Neto, o primeiro passo para uma comunicação eficaz entre médico dentista e técnico de prótese dentária é a capacidade de cada um dos profissionais ser capaz de identificar as necessidades do paciente. Uma vez que estes dois profissionais habitualmente trabalham à distância, é necessário quebrar barreiras e encurtar distâncias, pelo que o recurso às ferramentas digitais tem sido um aliado valioso no que diz respeito à eficiência da comunicação entre o laboratório e o consultório.
“Com a utilização das ferramentas digitais começa a haver uma aproximação entre o médico dentista e o técnico de prótese dentária”, indicou-nos. O técnico de prótese dentária destacou as vantagens da utilização da fotografia como um meio de comunicação, mas advertiu que esta é apenas “um passo na comunicação”, salientando que há “mais ferramentas úteis de comunicação”.
O Dr. Felipe Sousa partilha da mesma visão, alertando para as limitações da utilização de fotografias, tais como a luminosidade e o ambiente em que estas são captura- das. Para o médico dentista, a mensagem transmitida para o laboratório deve ser “clara, simples e direta”, caso contrário não cumpre o seu propósito. Mais do que uma forma de alcançar trabalhos bem-sucedidos, a comunicação é uma forma de obter previsibilidade nos tratamentos, segundo o médico dentista.
“Eu e o TPD João Neto temos de comunicar para conseguirmos resultados previsíveis e para que também seja possível satisfazer as necessidades dos nossos pacientes”, referiu o Dr. Felipe Sousa, sublinhando que “trabalho em equipa é um passo fundamental”.
Salvar dentes é a prioridade
A perspetiva multidisciplinar no tratamento de pacientes foi igualmente abordada pela Dra. Mariana Alves, responsável pelo segundo módulo de formação do Ciclo de Formação Contínua da FMDUL. A médica dentista alertou para a importância de existirem equipas multifacetadas, com profissionais que apresentem diversas valências diferentes e sejam capazes de trocar entre si conhecimentos de tratamentos, técnicas e tecnologias, como forma de oferecer ao paciente o melhor tratamento possível.
Com uma palestra focada no “Tratamento de infeções endodônticas e patologia periapical: técnicas atuais de tratamento endodôntico não cirúrgico”, a Dra. Mariana Alves centrou-se em elencar todas as potencialidades da endodontia.
“O meu objetivo foi expor os alunos a um maior leque de tratamentos e opções, com os quais eles não têm tanto con- tacto, para que depois, quando estiverem no seu consultório, possam oferecer melhores soluções aos seus pacientes”, reforçou a médica dentista.
O tratamento endodôntico evoluiu e é hoje um tratamento eficaz, previsível e seguro. “Como podemos melhorar a irrigação? Podemos realizar tratamentos em sessão única? Como nos devemos servir do CBCT? Devemos recorrer a medicação intracanalar entre sessões de tratamento?” Entre outras, estas foram as questões colocadas pela Dra. Mariana Alves, que sublinhou a importância da endodontia no panorama atual da medicina dentária. “A endodontia é uma especialidade que tem tantas alternativas de tratamento, tantas técnicas novas, tantas ferramentas auxiliares. É importante que os alunos tenham a total noção de tudo o que é possível de executar dentro da endodontia, de modo a mantê-los motivados e a cativá-los para esta especialidade, que tem uma extrema importância na medicina dentária. O especialista em endodontia está a salvar dentes, não está a substituí-los”, comentou a Dra. Mariana Alves em declarações a O JornalDentistry.
Durante a sua palestra, a médica dentista identificou um dos mais importantes vetores para o sucesso do tratamento endodôntico. “A endodontia traz consigo uma componente de diagnóstico extremamente importante e é fundamental que os alunos estejam alerta para a sua importância”, acrescentou a Dra. Mariana Alves.
Diagnóstico precoce do cancro oral
O encerramento do Ciclo de Formação Contínua da FMDUL ficou a cargo do Prof. Dr. António Mano Azul, com uma apresentação centrada no cancro oral e em lesões potencialmente malignas.
Só este ano, 10 milhões de pessoas em todo o mundo foram diagnosticadas com um tipo de cancro. Numa sociedade cada vez mais informada, a taxa de mortalidade de muitos cancros tem vindo a diminuir a olhos vistos, uma vez que os próprios pacientes são capazes de detetar alterações no seu corpo. No entanto, a taxa de mortalidade do cancro oral permanece elevada.
“Foi possível sensibilizar as senhoras para o cancro da mama, por exemplo, através do auto exame, uma das melhores campanhas de sensibilização realizadas até hoje”, revelou-nos o Prof. Doutor António Mano Azul.
No caso das lesões potencialmente malignas localizadas na cavidade oral, as alterações não são muitas vezes visíveis ao olhar do paciente e o Prof. Doutor António Mano Azul advertiu os jovens alunos, em jeito de mensagem dirigida a todos os médicos dentistas, para a necessidade destes alertarem os pacientes para a manutenção de hábitos preventivos. “Existem medidas preventivas gerais que podemos transmitir aos nossos pacientes, como não fumar, manter uma alimentação rica em fruta e leguminosas e praticar regularmente exercício físico. No entanto, na cavidade oral, grande parte do cancro é precedido por lesões que, não sendo malignas, estão lá”, alertou o estomatologista.
O Prof. Doutor António Mano Azul deu ainda ênfase à necessidade dos pacientes estarem alertados para a importância da vacinação contra o HPV 16 e 18, que constitui também um fator de risco para o desenvolvimento de lesões potencialmente malignas. É no médico dentista que recai a maior fatia de responsabilidade pelo diagnóstico e trata- mento destas lesões, que muitas vezes se refletem em leucoplasias, uma patologia imperceptível ao olhar não treina- do do paciente. Mais do que tratar os dentes e atender às principais queixas dos seus pacientes, os médicos dentistas têm de observar cuidadosamente a cavidade oral. Segundo o estomatologista, num prazo de 170 meses, “90% dos pacientes cujas lesões foram detetadas precocemente estão vivos”. Quando as lesões são tratadas num estádio de evolução mais avançado, apenas 20% dos pacientes sobrevivem num prazo de dois anos. “É inadmissível que um paciente visite o consultório de um médico dentista sem que este pegue no espelho e verifique toda a cavidade oral, algo que apenas demora dois minutos”, sublinhou o Prof. Dr. António Mano Azul.
“Se o médico dentista detetar e tratar as lesões, o paciente deixa de estar em risco de desenvolver cancro oral, ou pelo menos fica num grau de risco menos elevado”, rematou.
Sara Moutinho Lopes/JornalDentistry